Em 1565, imbuída da missão de criar uma cidade e expulsar definitivamente os franceses remanescentes, a coroa portuguesa enviou ao Brasil o jovem Estácio de Sá. Comandante de uma flotilha de dezoito barcos, Estácio conquistou a Baía de Guanabara e fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, em homenagem ao Rei de Portugal, Dom Sebastião.
A cerimônia de fundação ocorreu às pressas. Para cumprir a missão, em meio ao ataque de índios e franceses, mandou erguer uma muralha e nela colocou uma porta com fechadura. À guisa de porteiro, nomeou o patrício Franciso Dias Pinto, a quem entregou a chave para que a trancasse por dentro. Realizou, então, a cerimônia.
Após três leves batidas na porta, recebeu a indagação: “quem vem lá?”. “Estácio de Sá, governador do Rio de Janeiro, que pede para entrar”, respondeu o fundador. Sem grandes discursos ou pompas, apenas três batidas e o pedido para entrar, instituía-se a cidade(1).
O grupamento militar trazido pelo novo governante, além de garantir a criação do vilarejo, veio para retomar a posse da Guanabara, perdida para os franceses e para a Confederação dos Tamoios. Os índios, acastelados no litoral do atual estado do Rio - de Angra dos Reis a Cabo Frio - compunham-se de várias tribos, principalmente tupinambás, e atrapalhavam a consolidação da colônia de Piratininga, atual São Paulo.
O regimento de Estácio instituiu o que, à época, chamou-se de o Terço do Rio de Janeiro e, em 1567, teve sucesso na expulsão de índios e franceses. Esse pequeno grupo deu origem às forças de segurança do Estado e, ao longo da história, foi gradativamente mudando de nome até tomar a configuração atual. De algum modo, o regimento, ao longo dos anos, imbuído do espírito estaciano, viu a Revolta da Armada, presenciou a Revolta da Vacina, esteve lá quando Vargas amarrou os cavalos no Obelisco, atuou nos Dezoito do Forte, agiu contra a Intentona Comunista, entre muitos outros eventos. Até ontem.
Em 25 de novembro de 2010, desprovido de cerimônias ou gracejos, Estácio de Sá bateu novamente à porta do Rio de Janeiro. Desta feita, não viera expulsar franceses ou índios. Eram cariocas os inimigos da vez.
Ao longo do dia de ontem, as cenas de guerra e de fuga dos bandidos geraram espanto e esperança. Ao final, do alto, correndo desconexos, os traficantes mostraram o que são: um grupo em desordem. Apesar da dor de ver garotos tão jovens, desesperados e sem destino, pôde-se perceber alguma chance da vitória.
Em um dos momentos mais duros de sua história, o Rio de Janeiro parece ter reconquistado a vitalidade e a vontade de reagir. Felizmente, alguém no controle do Estado percebeu que a continuidade das políticas anteriores era insustentável. A jóia da coroa, a cidade maravilhosa, a terra de encantos mil, protestou na tarde da quinta-feira passada.
Por isso, como falei, Estácio esteve novamente à porta carioca no dia de ontem. Queira o bom Deus, as coisas comecem realmente a mudar. A opção era essa ou, então, contemplar de braços abertos o inaceitável.
De minha parte, penso que a cena estática dos anos anteriores, no que diz respeito à segurança, careceu de “grandes almas”, como afirmaria Stendhal. A desconfiança, o medo e a ausência de verdadeiro líder habitaram os espíritos e petrificaram o carioca. Exceto por algumas vozes roucas, poucos pareciam avaliar o que estava em jogo. Tropas descontroladas, políticos corruptos, coronéis impacientes, governadores circunpesctos, presidentes inaudíveis: nos anos de omissão, a sociedade carioca afastou-se de seu destino. Até ontem.
>> Song To The Siren; This Mortal Coil; It'll End in Tears
>> O Escandâlo Daniel Dantas - Duas Investigações; Raimundo Pereira; Manifesto Editora
1 No Mínimo - 2005
2 Algumas vozes, como a do ex-prefeito César Maia e do ex-governador Garotinho, levantam-se contra a operação de ontem. Alegam, em essência, que ações idênticas foram efetivadas em 2008 e, ainda assim, o bando não abandonou a favela. Parecem críticas vazias, pois, há época em que governaram a cidade, agiram de modo bastante diverso do atual.
A cerimônia de fundação ocorreu às pressas. Para cumprir a missão, em meio ao ataque de índios e franceses, mandou erguer uma muralha e nela colocou uma porta com fechadura. À guisa de porteiro, nomeou o patrício Franciso Dias Pinto, a quem entregou a chave para que a trancasse por dentro. Realizou, então, a cerimônia.
Após três leves batidas na porta, recebeu a indagação: “quem vem lá?”. “Estácio de Sá, governador do Rio de Janeiro, que pede para entrar”, respondeu o fundador. Sem grandes discursos ou pompas, apenas três batidas e o pedido para entrar, instituía-se a cidade(1).
O grupamento militar trazido pelo novo governante, além de garantir a criação do vilarejo, veio para retomar a posse da Guanabara, perdida para os franceses e para a Confederação dos Tamoios. Os índios, acastelados no litoral do atual estado do Rio - de Angra dos Reis a Cabo Frio - compunham-se de várias tribos, principalmente tupinambás, e atrapalhavam a consolidação da colônia de Piratininga, atual São Paulo.
O regimento de Estácio instituiu o que, à época, chamou-se de o Terço do Rio de Janeiro e, em 1567, teve sucesso na expulsão de índios e franceses. Esse pequeno grupo deu origem às forças de segurança do Estado e, ao longo da história, foi gradativamente mudando de nome até tomar a configuração atual. De algum modo, o regimento, ao longo dos anos, imbuído do espírito estaciano, viu a Revolta da Armada, presenciou a Revolta da Vacina, esteve lá quando Vargas amarrou os cavalos no Obelisco, atuou nos Dezoito do Forte, agiu contra a Intentona Comunista, entre muitos outros eventos. Até ontem.
Em 25 de novembro de 2010, desprovido de cerimônias ou gracejos, Estácio de Sá bateu novamente à porta do Rio de Janeiro. Desta feita, não viera expulsar franceses ou índios. Eram cariocas os inimigos da vez.
Ao longo do dia de ontem, as cenas de guerra e de fuga dos bandidos geraram espanto e esperança. Ao final, do alto, correndo desconexos, os traficantes mostraram o que são: um grupo em desordem. Apesar da dor de ver garotos tão jovens, desesperados e sem destino, pôde-se perceber alguma chance da vitória.
Em um dos momentos mais duros de sua história, o Rio de Janeiro parece ter reconquistado a vitalidade e a vontade de reagir. Felizmente, alguém no controle do Estado percebeu que a continuidade das políticas anteriores era insustentável. A jóia da coroa, a cidade maravilhosa, a terra de encantos mil, protestou na tarde da quinta-feira passada.
Por isso, como falei, Estácio esteve novamente à porta carioca no dia de ontem. Queira o bom Deus, as coisas comecem realmente a mudar. A opção era essa ou, então, contemplar de braços abertos o inaceitável.
De minha parte, penso que a cena estática dos anos anteriores, no que diz respeito à segurança, careceu de “grandes almas”, como afirmaria Stendhal. A desconfiança, o medo e a ausência de verdadeiro líder habitaram os espíritos e petrificaram o carioca. Exceto por algumas vozes roucas, poucos pareciam avaliar o que estava em jogo. Tropas descontroladas, políticos corruptos, coronéis impacientes, governadores circunpesctos, presidentes inaudíveis: nos anos de omissão, a sociedade carioca afastou-se de seu destino. Até ontem.
>> Song To The Siren; This Mortal Coil; It'll End in Tears
>> O Escandâlo Daniel Dantas - Duas Investigações; Raimundo Pereira; Manifesto Editora
1 No Mínimo - 2005
2 Algumas vozes, como a do ex-prefeito César Maia e do ex-governador Garotinho, levantam-se contra a operação de ontem. Alegam, em essência, que ações idênticas foram efetivadas em 2008 e, ainda assim, o bando não abandonou a favela. Parecem críticas vazias, pois, há época em que governaram a cidade, agiram de modo bastante diverso do atual.