Deus, quando quer perder os homens, enlouquece-os primeiro, é o recado antigo. Não foi diferente na última quinta-feira. Até agora, contamos 12 crianças mortas, uma escola derribada e a nação estarrecida.
De certa forma, o mais forte desafio às sociedades modernas é sobreviver à loucura que nos impõe a vida e, nesse processo, emprestar à condição humana algum respeito ao próximo. O elemento coesivo do homem é exatamente a sensação de segurança e união coletiva. Daí o discurso de Péricles, que coloca nas leis os fundamentos da democracia. Quando falha o sistema, como no dia de ontem, mergulhamos na perplexidade e perdemos nossa sensação de espaço.
Nesse paradoxo, o lugar no qual se deu a tragédia merece referência: era terra inviolável. A dinâmica dos bairros na geografia carioca o sabe: Engenho Novo, Engenho de Dentro, Engenho da Rainha e, ao final, imponente, concentrador da produção de todas as demais indústrias de açúcar da era colonial, o Real Engenho. Realengo, pois é. De passado sublime, a região fez-se palco da desgraça. Na figura literária, tornou-se sítio de “fogo morto”.
Na lição da obra de José Lins do Rego, o pistoleiro “não tinha medo de ninguém. Marchava devagar. Estava só naquele mundo, sem uma pessoa, sem um ente vivo”.
A atitude do assassino foi, talvez, uma tentativa de iludir a morte, de confiar alguma dimensão a sua vida mediocrizada. Um rito canibal, quiçá: ao aniquilar seus iguais, o matador teve a ilusão de incorporar a força dos vencidos.
No clássico ensaio de James Hillman, On Paranoia, o psicólogo examina essas relações e contradições entre a revelação religiosa e o delírio da alucinação. No teor de seu texto: “suspeito que muitas idéias delirantes, das quais são sujeitos os enfermos mentais, consistem na troca da forma de um discurso figurado, ou poético, por um discurso literal. O espírito fala poeticamente, mas o homem o entende literalmente. Por exemplo, um louco declarará ser feito de ferro, e que ninguém o destruirá, mas o que o espírito quer dizer é que o homem é forte como o ferro – e o demente o toma em seu sentido literal”.
De qualquer forma, não há explicação lógica para os eventos. Todavia, enquanto formos capazes de remover os cacos e chorar pelos estranhos, seremos, também, fortes para combater o desalento sofrido por todos. Para combater por meio daquela tristeza a que se refere o Rei Salomão, a que mora no coração dos sábios e que é capaz de salvar nossa espécie.
Enfim, depois do estouro, resta o silêncio e o fogo apagado no real antigo engenho. No recreio da escola, um pátio de almas desossadas.
De certa forma, o mais forte desafio às sociedades modernas é sobreviver à loucura que nos impõe a vida e, nesse processo, emprestar à condição humana algum respeito ao próximo. O elemento coesivo do homem é exatamente a sensação de segurança e união coletiva. Daí o discurso de Péricles, que coloca nas leis os fundamentos da democracia. Quando falha o sistema, como no dia de ontem, mergulhamos na perplexidade e perdemos nossa sensação de espaço.
Nesse paradoxo, o lugar no qual se deu a tragédia merece referência: era terra inviolável. A dinâmica dos bairros na geografia carioca o sabe: Engenho Novo, Engenho de Dentro, Engenho da Rainha e, ao final, imponente, concentrador da produção de todas as demais indústrias de açúcar da era colonial, o Real Engenho. Realengo, pois é. De passado sublime, a região fez-se palco da desgraça. Na figura literária, tornou-se sítio de “fogo morto”.
Na lição da obra de José Lins do Rego, o pistoleiro “não tinha medo de ninguém. Marchava devagar. Estava só naquele mundo, sem uma pessoa, sem um ente vivo”.
A atitude do assassino foi, talvez, uma tentativa de iludir a morte, de confiar alguma dimensão a sua vida mediocrizada. Um rito canibal, quiçá: ao aniquilar seus iguais, o matador teve a ilusão de incorporar a força dos vencidos.
No clássico ensaio de James Hillman, On Paranoia, o psicólogo examina essas relações e contradições entre a revelação religiosa e o delírio da alucinação. No teor de seu texto: “suspeito que muitas idéias delirantes, das quais são sujeitos os enfermos mentais, consistem na troca da forma de um discurso figurado, ou poético, por um discurso literal. O espírito fala poeticamente, mas o homem o entende literalmente. Por exemplo, um louco declarará ser feito de ferro, e que ninguém o destruirá, mas o que o espírito quer dizer é que o homem é forte como o ferro – e o demente o toma em seu sentido literal”.
De qualquer forma, não há explicação lógica para os eventos. Todavia, enquanto formos capazes de remover os cacos e chorar pelos estranhos, seremos, também, fortes para combater o desalento sofrido por todos. Para combater por meio daquela tristeza a que se refere o Rei Salomão, a que mora no coração dos sábios e que é capaz de salvar nossa espécie.
Enfim, depois do estouro, resta o silêncio e o fogo apagado no real antigo engenho. No recreio da escola, um pátio de almas desossadas.
>> Have You Ever Seen the Rain; R.E.M.; Covering Them
>> Fernando Pessoa - Uma Quase Aurobiografia; José Paulo Cavalcanti Filho
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