"Hoje eu sinto muita dificuldade para fazer reportagem policial. Sinto-me usado, quando o papel do repórter teria de ser outro; ele teria que fiscalizar a polícia e ajudar a sociedade. Hoje você acaba sendo uma espécie da ponta-de-lança da polícia. Se a polícia apresenta uma pessoa como sendo um “grande bandido”, você acaba embarcando e divulgando essa versão, e muitas vezes prejudica a vida desse suposto bandido ...".
Valmir Salaro, 1996.
Os desdobramentos do caso da menina Isabella Nardoni transformaram seu assassinato em um show de horrores. Associado a isso - e por meio das poderosas ferramentas da mídia -, todo o país converteu-se em um imenso romance policial de segunda.
A violência contra a pobre garota - o real elemento a ser debatido - vem sendo gradativamente esquecida. A morte da menina, propriamente dita, já não horroriza ou comove: esganada e atirada do sexto andar, Isabella tornou-se coadjuvante. A partir do enfoque da mídia, a vitima importa menos do que seus assassinos.
Uma das funções essenciais da imprensa é mostrar a verdade sobre o que ocorreu. Porém, nesse assassinato, não se quer a verdade, prefere-se acusar, julgar e terminar o assunto – pronto, qual é a manchete de amanhã?
A imprensa pode colaborar na descoberta da verdade e informar à população, mas não pode arvorar-se o direto de julgar. A verdade material, só pode ser apurada por meio da justiça. Fazer justiça é a única maneira de encerrar horrores como os que ocorreram com Isabella (e pelos quais pouca gente está realmente se importando). Ainda assim - e esse é um debate clássico na teoria do direito -, mesmo a justiça tem dificuldades para chegar à verdade material, aos fatos como eles realmente aconteceram. Dados os imensos questionamentos e dúvidas presentes no caso, é sensato pensar que teremos de nos contentar com algum tipo de verdade formal, aquela que representa os fatos junto ao processo judiciário, limitada aos autos.
De forma lamentável, ao contrário do que ocorreu há pouco mais de um ano, quando o menino João Hélio foi despedaçado pelas ruas do Rio, Isabella passou a ser mero pretexto para despertar o espírito detetivesco, tanto dos mediadores como dos mediados.
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