Um curso de pós-graduação em Processo Legislativo tem me feito pensar bastante sobre as leis pátrias. Uma das idéias que mais me despertou interesse foi a consolidação legislativa brasileira. Aparentemente simples, o processo não é dos mais fáceis de digerir.
A Constituição de 1988, ao tratar sobre o processo legislativo, determinou a edição de uma lei complementar que dispusesse sobre “a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis”. A fim de cumprir tal determinação, o Congresso Nacional aprovou a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, ditando as normas gerais e estabelecendo padrões para alcançar o objetivo proposto no Texto Magno.
A partir da entrada em vigor da Lei Complementar citada, desencadeou-se um processo objetivando a consolidação das leis brasileiras. Inicialmente, colaborou para tal fim a Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República e dos Ministérios. Em momento posterior, o Congresso Nacional passou também a atuar nessa mesma tarefa. Para tanto, foi instituído, por exemplo, o Grupo de Trabalho de Consolidação das Leis (GTCL) na Câmara dos Deputados.
De forma genérica, o GTCL busca consolidar normas com objetivos idênticos, análogos ou conexos, a fim de eliminar eventuais divergências ou repetições, e, desse modo, conferir unidade e coerência ao corpo legislativo brasileiro. Aparentemente simples, o trabalho detém relevante importância para o país.
Ao contrário do que pensa o senso comum, a legislação pátria é de enorme importância para o desenvolvimento nacional. Nesse sentido, quanto mais inacessíveis forem as leis nacionais, maior será a dificuldade de entendimento legal/institucional no Brasil. Portanto, o objetivo precípuo do trabalho de consolidação é exatamente modernizar o conjunto das leis nacionais e, assim, possibilitar uma uniformidade ainda não alcançada pela tessitura social brasileira. País moderno e em desenvolvimento, o Brasil não deve estar submetido a uma quantidade exagerada de leis.
Sobre esse tema, dados os muitos vícios decorrentes da grande quantidade de leis, algumas merecem especial destaque. Por exemplo, oriunda do regime militar, a lei 4.494, de 1964, reguladora da locação de prédios urbanos, trazia uma norma de interesse no mínimo excêntrico. Hoje revogada, a Lei dispunha, em seu artigo 38, o seguinte texto:
“Art. 38 – O fator K, referido no art. 25 é expresso pela fórmula:
K = _____C_____
120 – D
cujos termos C e D foram definidos no mesmo art. 25”
Exemplo ainda mais desconfortante, na seção I do Diário Oficial de sexta-feira, 29 de janeiro de 1999, pode-se ler o texto da Lei nº 9.783, datada da véspera, que “dispõe sobre a contribuição para o custeio da Previdência Social dos servidores públicos ativos e inativos e dos pensionistas dos três Poderes da União e dá outras providências”. O art. 1º fixa essa contribuição em 11% e o art. 6º prescreve: “As contribuições previstas nesta lei serão exigidas a partir de 1º de maio de 1999 e, até tal data, fica mantida a contribuição de que trata a Lei nº 9.630, de 23 de abril de 1998”. E, a seguir, dispõe o art. 8o: “Revoga-se a Lei nº 9.630, de 23 de abril de 1998”. Conforme o texto, estabelece-se um desafio: cobrar uma contribuição que deixou de existir .
Em decorrência desses tipos de equívoco, surgiu a Lei Complementar 95/98 e, por conseqüência, a idéia da consolidação das leis. Conforme afirmado acima, tanto a Lei Complementar como o GTCL intentam erradicar as imprecisões e impedir o surgimento de novos erros.
Vale ressaltar, porém, que tais problemas não são especificamente brasileiros . A fim de corrigir a desordem jurídica em face da fragmentação do sistema legal, a experiência estrangeira tem contribuído na propositura de muitas fórmulas de reorganização e saneamento do corpo legislativo. Grosso modo, códigos e consolidações são os modelos básicos de arrumação.
O modelo da Inglaterra é particularmente interessante neste caso. País cujo direito é parcamente codificado, a Grã-Bretanha possui um dos mais bem acabados modelos de consolidação legislativa. A inglesa
consolidation constitui fórmula de eliminar a pluralidade de textos legais, antigos e mal coordenados entre si, substituindo-os por um único texto sem, porém, introduzir alterações substanciais na legislação. Pode-se, por exemplo, alterar enunciados ou corrigir antinomias - sempre que o significado não se altere.
Por meio dessa experiência do direito comparado, em termos de técnica legislativa, nossa prática em consolidação legal ganhou grande importância. Especialmente quando considerado que a demanda contemporânea não mais perpassa pela grande quantidade de leis, mas sim pela produção de melhores leis.
Embora esse pareça ser um objetivo simples, a produção de boas leis é um dos maiores obstáculos à inclusão de um país na modernidade. Dessa forma, decorre daí a extrema relevância do trabalho de consolidação legislativa: reunir, racionalizar, modernizar e tornar acessível o conjunto de atos que conformam o ordenamento jurídico pátrio.
Acima de tudo, o Poder Legislativo deve buscar a simplificação da vida cotidiana. Por isso, como advertiu o jornalista Prudente de Moraes Neto, o Legislativo não pode “
recomendar-se pelo número de projetos que elabore ou pela rapidez com que os produza” . Ao contrário, “
às vezes, a maior virtude de um parlamento está precisamente no número de projetos que elimina ou que depura, que corrige ou que substituiu”. De tal recomendação, também emanam as atuação e necessidade da consolidação legislativa.
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