Ao longo de nosso passado, sempre debatemos sobre o que somos como comunidade política e o que desejamos para o futuro de nosso país. Apesar dos avanços, tal discussão redunda poucas soluções práticas. Como dizia Gilberto Amado, nossa história desconcerta o investigador.
Nas duas últimas semanas, em função da (re)partilha dos royalties do petróleo, estivemos discutindo a divisão fiscal no Brasil e, de certa forma, quase todas as intervenções estavam submetidas a injunções apaixonadas. Enfim, parecíamos voltar ao começo de tudo. Poucos ousaram tocar em nosso problema de fundo: a arquitetura federativa brasileira.
Por óbvio, o primeiro problema prático de todas as comunidades políticas é seu financiamento. Em uma sociedade, há despesas comuns que devem ser cobertas com a contribuição de todos. Como o tributo é o retorno de uma parcela dos bens obtidos pelos membros da sociedade, é natural que - na repetidíssima frase de Ruy Barbosa* -, a fim de obter igualdade, devamos tratar desigualmente os desiguais.
Ora, não há estados iguais na federação brasileira, da mesma forma que não há cidades iguais no Brasil. Portanto, se cidades e estados são diversos, multifacetados são também seus costumes, pactos e particularidades de convívio. Nesse sentido, a democracia deve contemplar cada cidade e cada estado em sua própria e particular forma de participar na federação.
Da mesma maneira, o convívio em qualquer dimensão pressupõe acordos, convênios e pactos essenciais ao regramento cotidiano. A fim de manter a estabilidade, esses acordos comunais – e o direito antigo já os sabia desde sempre – devem ser cumpridos. Pacta sunt servanda: é da inteligência jurídica romana que os acordos devem prevalecer enquanto permanecer a situação que os gerou.
Tal princípio basilar do direito civil e do direito dos povos não preponderou na nova divisão do petróleo proposta pelo Deputado Ibsen Pinheiro. Argumentou o Parlamentar, com meia razão, que os proventos do petróleo devem ser repartidos por igual na federação. O raciocínio não é de todo errado, desde que feito com as novas reservas, a serem descobertas daqui para frente.
Ilógica e carente de bom senso é a inversão tributária ocorrida a partir da emenda ao Projeto de Lei então apresentada**. E, pior ainda, pretende-se agora que a União pague pelo problema que não criou.
Grosso modo, a sociedade pátria desapercebeu-se que não se tratava apenas de um “choro” do Rio de Janeiro. O que ocorreu foi verdadeira quebra de contrato.
Por exemplo, apenas para dimensionar o tamanho do problema, o ICMS dos derivados do petróleo é cobrado apenas no estado em que se comercializam os produtos – e não pela regra tradicional, segundo a qual o imposto deveria ser cobrado no estado de origem. Salvo engano, não ouvi nenhum debate acerca do reacerto desta taxa.
Diante de tal cenário, Gilberto Amado não poderia ter maior razão: vivemos “uma série de esforços arquejantes, que não se conjugam, não se integram num conjunto. Não conhecemos a marcha continuada, o lento ascender de passo firme. Vivemos sempre a recomeçar”. Nosso regime parece ser o da inconseqüência.
>> Conselho; Marcelo D2 e Marcelo Mira; Álbum Desconhecido
>> Diário de Bordo: A Viagem Presidencial de Tancredo; Rubens Ricupero; Imprensa Oficial
* Em seu texto, o jurista baiano parecia conduzir às lições de Aristóteles sobre justiça distributiva: a igualdade citada era, em essência, uma proporção a ser aplicada na divisão de objetos entre pessoas. Caso os prezados queiram se aprogundar, vejam o livro V da Ética a Nicômaco.
** Ao contrário do que muitos jornalistas afirmaram, a proposta do pré-sal não trata de Emenda Constitucional.
Nas duas últimas semanas, em função da (re)partilha dos royalties do petróleo, estivemos discutindo a divisão fiscal no Brasil e, de certa forma, quase todas as intervenções estavam submetidas a injunções apaixonadas. Enfim, parecíamos voltar ao começo de tudo. Poucos ousaram tocar em nosso problema de fundo: a arquitetura federativa brasileira.
Por óbvio, o primeiro problema prático de todas as comunidades políticas é seu financiamento. Em uma sociedade, há despesas comuns que devem ser cobertas com a contribuição de todos. Como o tributo é o retorno de uma parcela dos bens obtidos pelos membros da sociedade, é natural que - na repetidíssima frase de Ruy Barbosa* -, a fim de obter igualdade, devamos tratar desigualmente os desiguais.
Ora, não há estados iguais na federação brasileira, da mesma forma que não há cidades iguais no Brasil. Portanto, se cidades e estados são diversos, multifacetados são também seus costumes, pactos e particularidades de convívio. Nesse sentido, a democracia deve contemplar cada cidade e cada estado em sua própria e particular forma de participar na federação.
Da mesma maneira, o convívio em qualquer dimensão pressupõe acordos, convênios e pactos essenciais ao regramento cotidiano. A fim de manter a estabilidade, esses acordos comunais – e o direito antigo já os sabia desde sempre – devem ser cumpridos. Pacta sunt servanda: é da inteligência jurídica romana que os acordos devem prevalecer enquanto permanecer a situação que os gerou.
Tal princípio basilar do direito civil e do direito dos povos não preponderou na nova divisão do petróleo proposta pelo Deputado Ibsen Pinheiro. Argumentou o Parlamentar, com meia razão, que os proventos do petróleo devem ser repartidos por igual na federação. O raciocínio não é de todo errado, desde que feito com as novas reservas, a serem descobertas daqui para frente.
Ilógica e carente de bom senso é a inversão tributária ocorrida a partir da emenda ao Projeto de Lei então apresentada**. E, pior ainda, pretende-se agora que a União pague pelo problema que não criou.
Grosso modo, a sociedade pátria desapercebeu-se que não se tratava apenas de um “choro” do Rio de Janeiro. O que ocorreu foi verdadeira quebra de contrato.
Por exemplo, apenas para dimensionar o tamanho do problema, o ICMS dos derivados do petróleo é cobrado apenas no estado em que se comercializam os produtos – e não pela regra tradicional, segundo a qual o imposto deveria ser cobrado no estado de origem. Salvo engano, não ouvi nenhum debate acerca do reacerto desta taxa.
Diante de tal cenário, Gilberto Amado não poderia ter maior razão: vivemos “uma série de esforços arquejantes, que não se conjugam, não se integram num conjunto. Não conhecemos a marcha continuada, o lento ascender de passo firme. Vivemos sempre a recomeçar”. Nosso regime parece ser o da inconseqüência.
>> Conselho; Marcelo D2 e Marcelo Mira; Álbum Desconhecido
>> Diário de Bordo: A Viagem Presidencial de Tancredo; Rubens Ricupero; Imprensa Oficial
* Em seu texto, o jurista baiano parecia conduzir às lições de Aristóteles sobre justiça distributiva: a igualdade citada era, em essência, uma proporção a ser aplicada na divisão de objetos entre pessoas. Caso os prezados queiram se aprogundar, vejam o livro V da Ética a Nicômaco.
** Ao contrário do que muitos jornalistas afirmaram, a proposta do pré-sal não trata de Emenda Constitucional.
No comments:
Post a Comment