Saturday, October 04, 2008

Cassandras


Pois é, passou a semana e o mundo não acabou. Apesar de todas as previsões catastróficas e da torcida velada de muitos anti-americanos, os nobres Estados Unidos da America do Norte ainda não sucumbiram frente ao que se poderia chamar de “autofagia financeira”.

Obviamente, a indústria de crédito está com grandes problemas em todo o mundo. Entretanto, o capitalismo possui a estranha característica de resolver seus problemas por meio da aniquilação dos ineficientes: “destruição criativa”, “seleção natural”, “a mão invisível”, diriam uns e outros. Qualquer que seja o mecanismo, a mudança é sempre dolorosa, principalmente para aqueles que estão no olho do furacão. Nesse sentido, é interesse notar a maneira insensata/ingênua pela qual instituições ilibadas como a Merrill Lynch deixaram-se levar. Talvez por isso, ao final do processo, algo novo irá tomar o lugar de tais empresas.

De qualquer forma, o terremoto será grande. Muito dinheiro é perdido quando esse tipo de atividade ocorre, por exemplo, em setores como a indústria da computação: vidas são arruinadas e ex-bilionários passam a procurar emprego como digitadores, apenas para dizer o mínimo. Quando, no entanto, acontece o mesmo no setor financeiro, as preocupações são maiores e largamente conhecidas. Hoje, como todos sabem, o medo é que a crise creditícia se espalhe para a vida real.

Do meu ponto de vista, o mais relevante é saber se essas rachaduras irão desestabilizar as estruturas fundamentais dos Estados Unidos. Creio, sinceramente, que a resposta é negativa. Embora com algumas alterações aqui e ali, as coisas acima do Rio Grande devem manter-se pouco modificadas. De certa forma, o inicial veto da Câmara ilustra o que escrevo: apesar do tremendo atasqueiro, as nobres senhoras e senhores Deputados preferiram manter-se atadas a seus princípios, ao invés de chancelar - sem debate - um plano mais do que suspeito.

As cassandras poderão dizer: mané, os gringos estão mais do que lascados, basta olhar os números do desemprego, por exemplo. É verdade, diria eu, os dados são realmente altos. Todavia, apesar de o desemprego ter subido, os valores estão ainda muito distantes dos dramáticos números vistos no final da década de 70 e nos anos 80.

Por certo, a indústria financeira está com um enorme problema. Porém, o sistema financeiro – como um todo – não vive as mesmas dores que experimenta, por exemplo, um ex-empregado do Lehman. A meu ver, até agora, a crise é mais especulativa do que real. A conclusão é óbvia: muitas empresas de crédito estão com problema, mas o sistema propriamente dito está em dificuldade muito menor quando comparado com tais empresas. De minha parte, a luz vermelha acenderia caso o Sr. Paulson estivesse dizendo: acabou o brioche! Felizmente, não chegamos a tanto: há dinheiro da boa e velha viúva para sustentar alguns filhos malcriados.

As recessões e quebradeiras anteriores vieram e foram embora – e a vida seguiu seu curso. Malgrado as terríveis manchetes nos jornais, não há motivo para pensar que dessa vez será diferente. Pode-se odiar ser um empregado de alguma empresa em dificuldade atualmente, mas já enfrentamos coisas muito piores e perseveramos.

Era terrível ser um fabricante de mainframes em 1980, horrível possuir uma empresa de internet em 1999 e assustador estar na “rua da parede” hoje. Entretanto, tudo isso não é o mesmo que atestar o colapso da civilização como a conhecemos.

>> Wonder; Embrace; Radio Edit
>> Disgrace; J. M. Coetzee; Penguin

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