Tuesday, December 09, 2008

Consolidare

Um curso de pós-graduação em Processo Legislativo tem me feito pensar bastante sobre as leis pátrias. Uma das idéias que mais me despertou interesse foi a consolidação legislativa brasileira. Aparentemente simples, o processo não é dos mais fáceis de digerir.

A Constituição de 1988, ao tratar sobre o processo legislativo, determinou a edição de uma lei complementar que dispusesse sobre “a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis”. A fim de cumprir tal determinação, o Congresso Nacional aprovou a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, ditando as normas gerais e estabelecendo padrões para alcançar o objetivo proposto no Texto Magno.

A partir da entrada em vigor da Lei Complementar citada, desencadeou-se um processo objetivando a consolidação das leis brasileiras. Inicialmente, colaborou para tal fim a Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República e dos Ministérios. Em momento posterior, o Congresso Nacional passou também a atuar nessa mesma tarefa. Para tanto, foi instituído, por exemplo, o Grupo de Trabalho de Consolidação das Leis (GTCL) na Câmara dos Deputados.

De forma genérica, o GTCL busca consolidar normas com objetivos idênticos, análogos ou conexos, a fim de eliminar eventuais divergências ou repetições, e, desse modo, conferir unidade e coerência ao corpo legislativo brasileiro. Aparentemente simples, o trabalho detém relevante importância para o país.

Ao contrário do que pensa o senso comum, a legislação pátria é de enorme importância para o desenvolvimento nacional. Nesse sentido, quanto mais inacessíveis forem as leis nacionais, maior será a dificuldade de entendimento legal/institucional no Brasil. Portanto, o objetivo precípuo do trabalho de consolidação é exatamente modernizar o conjunto das leis nacionais e, assim, possibilitar uma uniformidade ainda não alcançada pela tessitura social brasileira. País moderno e em desenvolvimento, o Brasil não deve estar submetido a uma quantidade exagerada de leis.

Sobre esse tema, dados os muitos vícios decorrentes da grande quantidade de leis, algumas merecem especial destaque. Por exemplo, oriunda do regime militar, a lei 4.494, de 1964, reguladora da locação de prédios urbanos, trazia uma norma de interesse no mínimo excêntrico. Hoje revogada, a Lei dispunha, em seu artigo 38, o seguinte texto:

“Art. 38 – O fator K, referido no art. 25 é expresso pela fórmula:
K = _____C_____
120 – D
cujos termos C e D foram definidos no mesmo art. 25”

Exemplo ainda mais desconfortante, na seção I do Diário Oficial de sexta-feira, 29 de janeiro de 1999, pode-se ler o texto da Lei nº 9.783, datada da véspera, que “dispõe sobre a contribuição para o custeio da Previdência Social dos servidores públicos ativos e inativos e dos pensionistas dos três Poderes da União e dá outras providências”. O art. 1º fixa essa contribuição em 11% e o art. 6º prescreve: “As contribuições previstas nesta lei serão exigidas a partir de 1º de maio de 1999 e, até tal data, fica mantida a contribuição de que trata a Lei nº 9.630, de 23 de abril de 1998”. E, a seguir, dispõe o art. 8o: “Revoga-se a Lei nº 9.630, de 23 de abril de 1998”. Conforme o texto, estabelece-se um desafio: cobrar uma contribuição que deixou de existir .

Em decorrência desses tipos de equívoco, surgiu a Lei Complementar 95/98 e, por conseqüência, a idéia da consolidação das leis. Conforme afirmado acima, tanto a Lei Complementar como o GTCL intentam erradicar as imprecisões e impedir o surgimento de novos erros.

Vale ressaltar, porém, que tais problemas não são especificamente brasileiros . A fim de corrigir a desordem jurídica em face da fragmentação do sistema legal, a experiência estrangeira tem contribuído na propositura de muitas fórmulas de reorganização e saneamento do corpo legislativo. Grosso modo, códigos e consolidações são os modelos básicos de arrumação.

O modelo da Inglaterra é particularmente interessante neste caso. País cujo direito é parcamente codificado, a Grã-Bretanha possui um dos mais bem acabados modelos de consolidação legislativa. A inglesa consolidation constitui fórmula de eliminar a pluralidade de textos legais, antigos e mal coordenados entre si, substituindo-os por um único texto sem, porém, introduzir alterações substanciais na legislação. Pode-se, por exemplo, alterar enunciados ou corrigir antinomias - sempre que o significado não se altere.

Por meio dessa experiência do direito comparado, em termos de técnica legislativa, nossa prática em consolidação legal ganhou grande importância. Especialmente quando considerado que a demanda contemporânea não mais perpassa pela grande quantidade de leis, mas sim pela produção de melhores leis.

Embora esse pareça ser um objetivo simples, a produção de boas leis é um dos maiores obstáculos à inclusão de um país na modernidade. Dessa forma, decorre daí a extrema relevância do trabalho de consolidação legislativa: reunir, racionalizar, modernizar e tornar acessível o conjunto de atos que conformam o ordenamento jurídico pátrio.

Acima de tudo, o Poder Legislativo deve buscar a simplificação da vida cotidiana. Por isso, como advertiu o jornalista Prudente de Moraes Neto, o Legislativo não pode “recomendar-se pelo número de projetos que elabore ou pela rapidez com que os produza” . Ao contrário, “às vezes, a maior virtude de um parlamento está precisamente no número de projetos que elimina ou que depura, que corrige ou que substituiu”. De tal recomendação, também emanam as atuação e necessidade da consolidação legislativa.

>> Colony; Joy Division; Closer
>> Deogratias; J. P. Stassen; First Second

2 comments:

Sumac said...

Good stuff...
Always a delight to read and very insightful...

Cheers...

Anonymous said...

Muito bom post. Vale comentar que as ordenações portuguesas foram exemplos de compilação legislativa. Legislação que valeu nos primeiros séculos do nosso Brasil e que foi em muitos pontos contextualizada e adaptada para nossa realidade. O processo legislativo é um assunto muito legal. Abraços