Recentemente, foi apresentada na Câmara dos Deputados a PEC 341/09, que sugere um “enxugamento” da constituição brasileira. Grosso modo, um debate a fim de dinamizar a constituição parece ser alvissareiro, porém, as opiniões sobre o assunto têm sido bastante intensas - tanto a favor quanto contra a idéia.
Apenas para se ter uma dimensão da PEC, a proposição almeja reduzir os artigos da Constituição dos atuais 250 para apenas 70. O ADCT, por sua vez, passaria a ter somenta um artigo, a dispor que toda matéria suprimida do Texto Magno continuará em vigor até sua substituição por meio de leis complementares ou ordinárias – tal iniciativa teria o desígnio de evitar um vácuo legislativo. A proposta está em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara, e foi apresentada pelo Deputado Régis de Oliveira, que é desembargador aposentado e professor de direito constitucional em São Paulo.
A fim de atingir o objetivo da proposta, o parlamentar propõe remover da CF todo e qualquer assunto alheio à estrutura dos Poderes da União, à forma de exercício desses poderes e aos direitos e garantias individuais. Desse modo, seriam extraídos temas como o sistema financeiro, a saúde, o meio ambiente e a estrutura do judiciário, entre outros. Todas essas matérias passariam a ser reguladas por leis outras que não a Constituição.
Apesar da boa vontade do Deputado Oliveira, o tema deve levantar muitas polêmicas, haja vista que a PEC pretende alterar, também, o mandato do Presidente da República, o “tempo de serviço” dos Ministros do STF (passaria a haver um limite de 9 anos), além de excluir totalmente o rito das medidas provisórias. No entender do Parlamentar, tais mudanças não prejudicariam nenhum direito já adquirido e a proposta de alteração constitucional iria acabar com as muitas emendas que nossa Lei Maior já possui. O Parlamentar destaca, ainda, que países mais avançados, como Estados Unidos e Inglaterra, já possuem textos liberais, mais enxutos e estáveis do que o nosso.
Obviamente, o Deputado Régis de Oliveira possui credenciais que inibem qualquer crítica. O congressista talvez seja um dos mais experientes a atuar na CCJC. Todavia, dada a intensidade do tema – e a curiosidade que desperta – vale arriscar-se a escrever algumas linhas sobre o assunto.
Decerto, nossa constituição é excessivamente minuciosa algumas vezes. Entretanto, essa característica decorre do momento de sua elaboração: o país saía do período militar e todos os grupos sociais queriam garantir seus direitos da melhor maneira possível – nada mais natural e democrático. Assim, malgrado a extensão da CF, creio que o esforço maior deveria ser em favor de implementar a boa vontade do constituinte originário, e não reduzir seu alcance. Há aspectos positivos – e até hoje inovadores – que não deveriam ser removidos do Texto Maior. A parte ambiental, por exemplo, é muito avançada e coloca o Brasil na dianteira de tema relevantíssimo ao mundo moderno. Por si só, a mera definição do que deva ser removido pode afetar o prestígio do Texto de 1988, certamente a mais avançada constituição que o Brasil já teve e uma das mais progressistas do mundo.
O próprio aspecto liberal – que o Deputado Régis ressalva – merece ser analisado com cuidado. Nosso passado nunca foi muito brando com as iniciativas liberais incutidas no seio constitucional. Foi assim em 1824, para citar apenas um caso. O texto de 24, liberalizante e influenciado pelos revolucionários franceses, patenteou-se como instável e suscitou diversas atribulações políticas que não seriam recomendáveis nos dias que correm. Exatamente pelo fato de os temas não estarem elencados na constituição, eram considerados menores ou, então, dispensáveis. Dessa forma, apesar de termos evoluído muito desde 1824, ainda há elementos geradores de instabilidade que permanecem em nossa sociedade. Talvez, o conservadorismo seja a maior dessas marcas.
Outro aspecto que merece observação é a estrutura a ser atribuída ao ADCT. Caso aprovado o projeto, as disposições transitórias passarão a conter apenas um artigo , regendo: “toda matéria suprimida da constituição continuará em vigor até sua substituição pela legislação complementar ou ordinária prevista”. Em essência, tal artigo é forçosamente inconstitucional. Vejamos.
Os congressistas de 88 foram bastante claros acerca dos temas considerarados “constitucionalmente” relevantes. Tamanha foi a preocupação dos constituintes que, à época, entenderam 250 itens como merecedores dessa característica - não por acaso, a constituição que temos.
Ao ressalvar que os itens removidos devem continuar na CF até serem regulados por leis ordinárias ou complementares, a Emenda vai deixar na constituição matérias que não mais serão constitucionais. Em outras palavras, a idéia é mais ou menos essa: os 180 itens removidos vão continuar na CF - sem status constitucional, embora estejam no Texto Maior - até serem regulados por leis que exigem quórum inferior ao das Emendas Constitucionais para que sejam deliberados.
Parece haver grave contradição nesse caso. O constituinte originário instituiu rígido quórum para a alteração dos preceitos constitucionais, que não devem ser alterados por mecanismos avessos à deliberação constitucional precisamente dita.
O próprio Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema. Na ocasião, o Ministro Moreira Alves relatou o voto condutor do leading case no STF (a leitura é recomendada). Em sua opinião, a constituição não pode se contradizer, trazendo em seu corpo texto que não é constitucional, sob pena de ela – constituição – deixar de ser...hã... constitucional.
É preciso entender que nossa constituição é um patrimônio, não um fardo. Devemos - com ela e a partir dela - tentar constituir um país melhor. As célebres palavras do Deputado Ulisses Guimarães, na promulgação do Texto de 1988, foram - e ainda são - premonitórias: “a Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca”. Apenas a estabilidade temporal do texto pode contribuir na construção da sociedade que almejamos.
Apenas para se ter uma dimensão da PEC, a proposição almeja reduzir os artigos da Constituição dos atuais 250 para apenas 70. O ADCT, por sua vez, passaria a ter somenta um artigo, a dispor que toda matéria suprimida do Texto Magno continuará em vigor até sua substituição por meio de leis complementares ou ordinárias – tal iniciativa teria o desígnio de evitar um vácuo legislativo. A proposta está em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara, e foi apresentada pelo Deputado Régis de Oliveira, que é desembargador aposentado e professor de direito constitucional em São Paulo.
A fim de atingir o objetivo da proposta, o parlamentar propõe remover da CF todo e qualquer assunto alheio à estrutura dos Poderes da União, à forma de exercício desses poderes e aos direitos e garantias individuais. Desse modo, seriam extraídos temas como o sistema financeiro, a saúde, o meio ambiente e a estrutura do judiciário, entre outros. Todas essas matérias passariam a ser reguladas por leis outras que não a Constituição.
Apesar da boa vontade do Deputado Oliveira, o tema deve levantar muitas polêmicas, haja vista que a PEC pretende alterar, também, o mandato do Presidente da República, o “tempo de serviço” dos Ministros do STF (passaria a haver um limite de 9 anos), além de excluir totalmente o rito das medidas provisórias. No entender do Parlamentar, tais mudanças não prejudicariam nenhum direito já adquirido e a proposta de alteração constitucional iria acabar com as muitas emendas que nossa Lei Maior já possui. O Parlamentar destaca, ainda, que países mais avançados, como Estados Unidos e Inglaterra, já possuem textos liberais, mais enxutos e estáveis do que o nosso.
Obviamente, o Deputado Régis de Oliveira possui credenciais que inibem qualquer crítica. O congressista talvez seja um dos mais experientes a atuar na CCJC. Todavia, dada a intensidade do tema – e a curiosidade que desperta – vale arriscar-se a escrever algumas linhas sobre o assunto.
Decerto, nossa constituição é excessivamente minuciosa algumas vezes. Entretanto, essa característica decorre do momento de sua elaboração: o país saía do período militar e todos os grupos sociais queriam garantir seus direitos da melhor maneira possível – nada mais natural e democrático. Assim, malgrado a extensão da CF, creio que o esforço maior deveria ser em favor de implementar a boa vontade do constituinte originário, e não reduzir seu alcance. Há aspectos positivos – e até hoje inovadores – que não deveriam ser removidos do Texto Maior. A parte ambiental, por exemplo, é muito avançada e coloca o Brasil na dianteira de tema relevantíssimo ao mundo moderno. Por si só, a mera definição do que deva ser removido pode afetar o prestígio do Texto de 1988, certamente a mais avançada constituição que o Brasil já teve e uma das mais progressistas do mundo.
O próprio aspecto liberal – que o Deputado Régis ressalva – merece ser analisado com cuidado. Nosso passado nunca foi muito brando com as iniciativas liberais incutidas no seio constitucional. Foi assim em 1824, para citar apenas um caso. O texto de 24, liberalizante e influenciado pelos revolucionários franceses, patenteou-se como instável e suscitou diversas atribulações políticas que não seriam recomendáveis nos dias que correm. Exatamente pelo fato de os temas não estarem elencados na constituição, eram considerados menores ou, então, dispensáveis. Dessa forma, apesar de termos evoluído muito desde 1824, ainda há elementos geradores de instabilidade que permanecem em nossa sociedade. Talvez, o conservadorismo seja a maior dessas marcas.
Outro aspecto que merece observação é a estrutura a ser atribuída ao ADCT. Caso aprovado o projeto, as disposições transitórias passarão a conter apenas um artigo , regendo: “toda matéria suprimida da constituição continuará em vigor até sua substituição pela legislação complementar ou ordinária prevista”. Em essência, tal artigo é forçosamente inconstitucional. Vejamos.
Os congressistas de 88 foram bastante claros acerca dos temas considerarados “constitucionalmente” relevantes. Tamanha foi a preocupação dos constituintes que, à época, entenderam 250 itens como merecedores dessa característica - não por acaso, a constituição que temos.
Ao ressalvar que os itens removidos devem continuar na CF até serem regulados por leis ordinárias ou complementares, a Emenda vai deixar na constituição matérias que não mais serão constitucionais. Em outras palavras, a idéia é mais ou menos essa: os 180 itens removidos vão continuar na CF - sem status constitucional, embora estejam no Texto Maior - até serem regulados por leis que exigem quórum inferior ao das Emendas Constitucionais para que sejam deliberados.
Parece haver grave contradição nesse caso. O constituinte originário instituiu rígido quórum para a alteração dos preceitos constitucionais, que não devem ser alterados por mecanismos avessos à deliberação constitucional precisamente dita.
O próprio Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema. Na ocasião, o Ministro Moreira Alves relatou o voto condutor do leading case no STF (a leitura é recomendada). Em sua opinião, a constituição não pode se contradizer, trazendo em seu corpo texto que não é constitucional, sob pena de ela – constituição – deixar de ser...hã... constitucional.
É preciso entender que nossa constituição é um patrimônio, não um fardo. Devemos - com ela e a partir dela - tentar constituir um país melhor. As célebres palavras do Deputado Ulisses Guimarães, na promulgação do Texto de 1988, foram - e ainda são - premonitórias: “a Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca”. Apenas a estabilidade temporal do texto pode contribuir na construção da sociedade que almejamos.
>> Fátima; Capital Inicial; Acústico MTV
>> Antes de Nascer o Mundo; Mia Couto; Companhia das Letras
No comments:
Post a Comment