Sunday, January 17, 2010

Pós-modernos, Parker e Les Gouttes


Recentemente, fui presenteado com alguns bons rótulos de vinho. Alvissareiros presentes, aliás: minha pequena adega já estava criando teias de aranha.

Após degustar uma das garrafas, fiquei pensando sobre um tópico muito familiar aos apreciadores de vinho: quais são os fatores que influenciam nossas escolhas acerca de qual vinho comprar? Alguém ainda acredita que Robert Parker é a ”referência” mundial sobre vinho?

Eis que, para minha surpresa, a resposta da segunda pergunta parece ter mudado. Mr. Parker não é mais o líder mundial em referência enóloga. Ao que parece, o norte-americano perdeu seu lugar para um fenômeno chamado Les Gouttes de Dieu (As Gotas de Deus).

“As Gotas” é um mangá japonês e foi considerado pelo Gourmand World Cookbook como o “melhor livro do mundo sobre o vinho em 2009”. A Decanter, importante publicação no mundo do vinho, o citou como um dos livros mais influentes dos últimos anos.

A série começou a ser publicada em 2004 e hoje possui 22 exemplares. Posteriormente, a publicação seguiu para Coréia do Sul, Hong Kong, Taiwan e, da Ásia, passou a ser editada também na França. Apenas para se ter uma idéia da força conquistada pelo livrinho, em 2007 foram impressas 500.000 cópias. Em essência, todos os vinhos que aparecem no mangá são autênticos.

De início, o mundo do vinho não deu muita importância a esse novo objeto. Entretanto, quando o desconhecido Château Mon-Pérat, citado pela revista, viu seu millésime 2001 vender 20.000 garrafas em pouco tempo, os especialistas se aperceberam da novidade.

Os dois irmãos autores do quadrinho são grandes conhecedores de vinho e criaram uma história dentro da tradição de contos japoneses. No roteiro, um famoso degustador morre e seu filho, a fim de receber a herança paterna, deve provar ser melhor do que o pai. Na busca por comprovar sua perfeição, o garoto é acompanhado por um mendigo alcoólatra, uma estagirária-sommelière e um amigo enlouquecido por vinhos italianos.

A importadora japonesa, Enoteca, por exemplo, afirma que os personagens do livro são hoje responsáveis pelos pedidos da empresa. Na Coréia do Sul, a venda cresceu de modo significativo, com os vinhos passando de menos de 1/3 do mercado para cerca de 70% das vendas de bebidas alcoólicas. As vendas de um vinho chamado Umberto Cosmo's Colli di Conegliano Rosso também cresceram 30% após o rótulo ter sido citado na revista.

O interessante – e inusitado – é que parte do interesse pelo mangá pode ser creditado ao fato de a revista ensinar sobre vinhos de um modo que entretém. Em 2009, como falei acima, a Decanter incluiu a publicação em sua “Power list” na colocação de número 50, com a citação de que o trabalho é a mais influente publicação sobre vinho em 20 anos. Robert Parker tremeu, portanto.

A notícia, de certa forma, é muito boa. Ao contrário do que previam e tentaram os americanos, o mundo parece não estar se curvando a um gosto universal sobre vinhos. Felizmente, valem ainda o inesperado e a boa qualidade - como não poderia deixar de ser em um produto que carrega a identidade do terroir no qual é produzido.
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Eu ia escrever algo sobre a tragédia no Haiti. Entretanto, após ler o lúcido texto do Maurício, resolvi colocar um link aqui.

>> Um Dia Em Provença; Paralamas do Sucesso; Hey Nana
>> O Planalto e a Estepe; Pepetela; Leya Brasil

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