Neste final de semana, realizar-se-á mais um concurso de admissão para a carreira diplomática (CACD). Ao contrário de anos anteriores, não prestarei os exames. De certa forma, é estranho não fazer a prova depois de tantos anos: os temas e as questões não me saem da cabeça.
No CACD, ao menos para mim, o cotidiano e a situação do Brasil sempre foram assuntos recorrentes. Sobretudo, o estudo da história brasileira era das matérias que mais me agradava. No caso do Itamaraty, valia prestar atenção ao passado brasileiro e à maneira como esse contribuiu para nossa inserção internacional. Acima de tudo, em meus estudos, sempre percebi ênfase positiva na avaliação de nossa história.
Ao contrário da frase de Stephen Dedalus, personagem de James Joyce em Ulysses, a história brasileira não é um pesadelo do qual precisamos acordar. No mesmo sentido, penso, quando observamos nosso passado, devemos simplesmente esquecer o anjo de Paul Klee: as cenas de tristeza e desencontro humano, malgrado sejam imperfeitas, contribuíram na formação de nossa individualidade.
Apesar do ceticismo de Joyce e Klee, creio termos sobrevivido porque, em meio ao pesadelo, sempre existiram a esperança e a possibilidade de criarmos um país melhor. De minha parte, imagino que a diplomacia e as relações internacionais devem servir exatamente para esse fim.
Malgrado vivamos oscilando entre o desânimo e a confiança, sempre fomos capazes de superar nossos mais terríveis fantasmas. E, talvez, essa tenha sido a maior lição que extraí após tantos anos estudando para ingressar na Casa de Rio Branco: nossa história não é o passado equivocado que alguns tentam nos impingir.
Essa afirmativa, entretanto, não é de todo evidente para o leigo. Avançamos cotidianamente, mas os percalços aparentam-se maiores no imaginário do observador comum.
Festejamos o Ipiranga, e o jovem príncipe foi visto como o protetor da nacionalidade que nascia. Menos de dez anos depois, o herdeiro tornar-se-ia um absolutista do qual nos envergonharíamos – e dele nos livramos nos ventos liberais de 1831.
Logo após, a República prometeu-nos democracia e descentralização. Sonho não de todo alcançado até hoje. A Aliança Liberal e a conseqüente Revolução de 30 foram frustradas pela irracionalidade daqueles tempos. Depois da tibieza de Dutra, alguma esperança tivemos com a retomada do projeto desenvolvimentista de Vargas e JK. Apesar de custosos ao país, foram essenciais a nossa inserção na modernidade.
Sucessor de JK, Jânio revelou-se fraco: um terno vazio. Qualquer tenha sido o motivo da renúncia impensada – covardia moral ou quiçá outra coisa – o gesto de Jânio decepcionou a nação e fez-nos mergulhar no obscurantismo por vinte longos anos. Ainda assim, avançamos: apesar de conservadora, a modernização implantada pelos militares é inegável.
Então, findo o interregno repressivo, a esperança alternou-se para a Assembléia Nacional Constituinte – que promulgou uma boa Constituição, apesar das críticas de alguns. Avançamos, mais uma vez.
Depois, lamentavelmente, a burocracia paulista desmontou a estrutura estatal criada por Vargas/JK e preservada até pelos militares. A década de 90 quase assistiu ao desmantelamento estrutural da nação. Ainda assim, perseveramos: o plano Real até hoje confirma essa assertiva.
Após todos esses anos, enfrentadas as vicissitudes, o país parece começar a reerguer-se e a esperança a nos assistir. Não podemos deixar, neste momento, que eventuais forças alienígenas atrasem nosso encontro com o destino. É preciso sonhar – e fazer. Exatamente a tarefa maior da diplomacia.
Nossa grandeza está dentro das fronteiras nacionais e no convívio amistoso com os outros povos. É essa convivência, serena, insubmissa, firme, cordial, que nos fez brasileiros. Dessa postura, expressa pelo Itamaraty, não nos devemos afastar. Ao longo de todo o tempo, a diplomacia sempre nos logrou proteger. E, invariavelmente, como falei, avançamos muito.
Grosso modo, esse é o legado que, futuramente, os postulantes ao exame de domingo vão defender. E, também de certa forma, o presente texto é minha homenagem a esses “guerreiros”.
Portanto, caros amigos, ao fazer a prova, lembrem-se da lição do corneteiro de Pirajá: avancem degolando. Afinal, senhores, nas palavras do Chanceler Leitão da Cunha, a diplomacia está lá, à espreita, lhes esperando.
>> Hallelujah; Susanna and the Magical Orchestra; Melody Mountain
>> Clarice; Benjamin Moser; Cosac Naif
No CACD, ao menos para mim, o cotidiano e a situação do Brasil sempre foram assuntos recorrentes. Sobretudo, o estudo da história brasileira era das matérias que mais me agradava. No caso do Itamaraty, valia prestar atenção ao passado brasileiro e à maneira como esse contribuiu para nossa inserção internacional. Acima de tudo, em meus estudos, sempre percebi ênfase positiva na avaliação de nossa história.
Ao contrário da frase de Stephen Dedalus, personagem de James Joyce em Ulysses, a história brasileira não é um pesadelo do qual precisamos acordar. No mesmo sentido, penso, quando observamos nosso passado, devemos simplesmente esquecer o anjo de Paul Klee: as cenas de tristeza e desencontro humano, malgrado sejam imperfeitas, contribuíram na formação de nossa individualidade.
Apesar do ceticismo de Joyce e Klee, creio termos sobrevivido porque, em meio ao pesadelo, sempre existiram a esperança e a possibilidade de criarmos um país melhor. De minha parte, imagino que a diplomacia e as relações internacionais devem servir exatamente para esse fim.
Malgrado vivamos oscilando entre o desânimo e a confiança, sempre fomos capazes de superar nossos mais terríveis fantasmas. E, talvez, essa tenha sido a maior lição que extraí após tantos anos estudando para ingressar na Casa de Rio Branco: nossa história não é o passado equivocado que alguns tentam nos impingir.
Essa afirmativa, entretanto, não é de todo evidente para o leigo. Avançamos cotidianamente, mas os percalços aparentam-se maiores no imaginário do observador comum.
Festejamos o Ipiranga, e o jovem príncipe foi visto como o protetor da nacionalidade que nascia. Menos de dez anos depois, o herdeiro tornar-se-ia um absolutista do qual nos envergonharíamos – e dele nos livramos nos ventos liberais de 1831.
Logo após, a República prometeu-nos democracia e descentralização. Sonho não de todo alcançado até hoje. A Aliança Liberal e a conseqüente Revolução de 30 foram frustradas pela irracionalidade daqueles tempos. Depois da tibieza de Dutra, alguma esperança tivemos com a retomada do projeto desenvolvimentista de Vargas e JK. Apesar de custosos ao país, foram essenciais a nossa inserção na modernidade.
Sucessor de JK, Jânio revelou-se fraco: um terno vazio. Qualquer tenha sido o motivo da renúncia impensada – covardia moral ou quiçá outra coisa – o gesto de Jânio decepcionou a nação e fez-nos mergulhar no obscurantismo por vinte longos anos. Ainda assim, avançamos: apesar de conservadora, a modernização implantada pelos militares é inegável.
Então, findo o interregno repressivo, a esperança alternou-se para a Assembléia Nacional Constituinte – que promulgou uma boa Constituição, apesar das críticas de alguns. Avançamos, mais uma vez.
Depois, lamentavelmente, a burocracia paulista desmontou a estrutura estatal criada por Vargas/JK e preservada até pelos militares. A década de 90 quase assistiu ao desmantelamento estrutural da nação. Ainda assim, perseveramos: o plano Real até hoje confirma essa assertiva.
Após todos esses anos, enfrentadas as vicissitudes, o país parece começar a reerguer-se e a esperança a nos assistir. Não podemos deixar, neste momento, que eventuais forças alienígenas atrasem nosso encontro com o destino. É preciso sonhar – e fazer. Exatamente a tarefa maior da diplomacia.
Nossa grandeza está dentro das fronteiras nacionais e no convívio amistoso com os outros povos. É essa convivência, serena, insubmissa, firme, cordial, que nos fez brasileiros. Dessa postura, expressa pelo Itamaraty, não nos devemos afastar. Ao longo de todo o tempo, a diplomacia sempre nos logrou proteger. E, invariavelmente, como falei, avançamos muito.
Grosso modo, esse é o legado que, futuramente, os postulantes ao exame de domingo vão defender. E, também de certa forma, o presente texto é minha homenagem a esses “guerreiros”.
Portanto, caros amigos, ao fazer a prova, lembrem-se da lição do corneteiro de Pirajá: avancem degolando. Afinal, senhores, nas palavras do Chanceler Leitão da Cunha, a diplomacia está lá, à espreita, lhes esperando.
>> Hallelujah; Susanna and the Magical Orchestra; Melody Mountain
>> Clarice; Benjamin Moser; Cosac Naif
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