Friday, December 31, 2010

Bons Anos

No início do sermão dos "Bons Anos", o padre Antônio Vieira faz bela exortação ao recomeço e ao futuro. Em sua primeira missa na capela régia, no dia 1o. de janeiro de 1642, afirmou o religioso:
"(...) Ora com isto se representar assim, com o Evangelho e o tempo parecer que nos prometem poucas esperanças de felizes anos, do mesmo tempo e do mesmo Evangelho hei de tirar hoje a prova e segurança. Deles será, pois a matéria e empresa do sermão esta: Felicidades de Portugal, juízo dos anos que vêm. Digo dos anos, e não do ano, porque quem tem obrigação de dar bons-anos, não satisfaz com um só, senão com muitos. Funda-me o pensamento o mesmo Evangelho, que parece o desfavorecia; porque toda a matéria e sentido dele é um prognóstico de felicidades futuras."
Nessa pregação, Vieira incitou o auditório a perseverar na luta desigual contra Castela e propôs soluções várias aos problemas da época. Baseou-se, ainda, no juramento de D. Afonso Henriques e nas profecias atribuídas a São Frei Gil para escrever o arrazoado e estimular os portugueses a enfrentar os tempos futuros.

Muitos anos depois, em 1925, no poema "Descobrimento", Mário de Andrade também escreveu sobre exortação e união. Dessa vez, porém, o poeta dissertava pressionado sob a égide de nossa dívida social. Abancado à escrivaninha de sua casa, na rua Lopes Chaves, Andrade alegou sentir um friúme por dentro.

"Fiquei trêmulo, muito comovido", disse o poeta. Na sequência, lembrou que: "lá no Norte, meu Deus! Muito longe de mim, na escuridão ativa da noite que caiu, um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos, depois de fazer uma pele com a borracha do dia, faz pouco se deitou, está dormindo. Esse homem é brasileiro que nem eu".

No texto, o escritor saiu de si e observou um sentimento que foi gerido na sociedade brasileira ao longo dos anos e, aparentemente, solidifica-se nos dias atuais. Apesar de todas as diferenças da nação, nós somos muitos e devemos ser um só - essa é a mensagem de Andrade acerca do futuro a ser almejado pelo Brasil.

Hoje, 2010, sem ajuda específica do governo, mas impulsionadas pelo bom momento nacional, três famílias de catadores de papel que moravam em barracos perto do Palácio do Planalto ascenderam à classe media. Fundamentados pelas lições de Vieira, relembrados pela poesia de Andrade e esperançados pela bonança contemporânea, esses brasileiros eram esquecidos e incluíram-se. Eram sozinhos e incoproraram-se ao todo, unos.

Motivo suficiente, portanto, para estourar os fogos na virada. A esses prezados que, conforme a lição de Mário de Andrade, são brasileiros como nós, fica minha mensagem de ano bom.

Somos brasileiros, somos a novidade mundial e somos um só. Feliz ano novo, que 2011 se renda a nossos desejos.

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