Em reunião no dia 26 último, os Presidentes Lula e Hugo Chávez conversaram sobre a criação de um tipo de “Conselho de Segurança” sul-americano. De acordo com a imprensa, a proposta foi do nosso Ministro da Defesa, Nelson Jobim, e busca o entendimento entre os países sul-americanos para que seja possível alcançar uma mesma palavra sobre defesa e segurança na parte sul do continente.
Tais idéias sobre a “unificação” das forças continentais são recorrentes na história latino-americana e, exceto por uma ou outra iniciativa isolada - por exemplo, a Segunda Guerra Mundial -, fracassaram quase que em sua unanimidade. De certa forma, a região é complexa demais para abarcar um organismo centralizador dos exércitos.
Tradicionalmente, o estado hegemônico em uma região mantém claros domínios econômicos, militares e políticos sobre o espaço que influencia. No caso do Brasil, o país tentar preencher esse papel desde a era colonial. No entanto, apesar de sua atual superioridade em muitas dessas áreas, a nação brasileira tem tido dificuldade para consolidar essa hegemonia. Assim, o maior problema da proposta de uma segurança hemisférica moldada sobre um conselho regional é saber se o Brasil tem poder suficiente nos domínios mencionados a fim de convencer os demais países a se juntarem ao projeto.
Como já afirmei por aqui, a economia brasileira vive um período próspero, com crescimento relativamente sustentado. Tanto a demanda doméstica quanto as exportações estão crescendo substancialmente. Além disso, apesar de empresas como a Petrobrás representarem uma poderosa força econômica, a economia nacional não é mais centrada apenas em commodities - como é o caso da Venezuela, por exemplo. O orçamento da União, por sua vez, também não é financiado somente no petróleo, como ocorre no México. Dessa forma, a recente desenvoltura nacional e o controle fiscal da economia deram ao Brasil uma ampla área de manobra.
O Brasil tem, igualmente, amplas reservas naturais que lhe garantem certa vantagem. Energias hidroelétrica, nuclear e de gás estão sendo desenvolvidas em favor da demanda nacional e da redução da dependência internacional. Adicionalmente, o país tem-se utilizado da Petrobras para adquirir influência sobre alguns vizinhos (a mesma tática foi usada com a energia hidroelétrica junto ao Paraguai). Adicione-se a isso a imensa potencialidade do etanol e tem-se um país muito bem preparado para o futuro.
Na área militar, o Brasil tem - apesar das deficiências - o melhor e mais bem posicionado exército da América do Sul. Apesar das recentes compras de armamento por parte da Venezuela e do apoio norte-americano à Colômbia, nenhum país sulino chega perto do poder militar brasileiro. No entanto, a maior vantagem militar brasileira continua sendo a geografia. Conforme analisei no texto citado acima, a densa floresta amazônica e a especial localização das cidades brasileira dão ampla proteção ao país.
No entanto, a proposta do Conselho de Segurança regional tem obstáculos a superar. Existem poderosos sentimentos nacionalistas entre os países latino-americanos. Assim, não tem sido fácil a tarefa de convencer os líderes de que a cooperação é necessária ou mesmo possível. O próprio Presidente Chávez já começou a formar uma pretensa aliança de esquerda que pode atrapalhar o projeto de união regional. A despeito de sua grande amizade com o Presidente Lula, Chávez pode não ter interesse de submeter-se a eventuais pressões políticas no contexto de um conselho nos moldes propostos.
Mesmo se desconsiderados todos os obstáculos, o Brasil ainda precisa de uma plataforma política que agrade ao continente e permita a ação brasileira como líder regional. Nas palavras do professor Joseph Nye, é preciso criar um “soft power” tupiniquim: uma proposta em defesa do multiculturalismo latino-americano, por exemplo. Outra opção é a formação de um conjunto de regras que autorizem o futuro conselho a agir em favor de missões de paz, contra o crime organizado ou na condução de exercícios militares coletivos. De modo genérico, poder-se-ia ampliar a cláusula democrática do Mercosul a todo o continente. Atualmente, ao contrário do que afirmou Maquiavel, o mais importante para um príncipe é ser amado e não temido. Sendo a maior nação sul-americana, o Brasil pode promover a aliança latino-americana como um dever, um destino comum que provavelmente ressoaria muito bem entre todos.
>> Blues by five; George Otsuka Trio; Shibuya jazz classics
>> Chasing the flame - Sergio Vieira de Mello and the fight to save the world; Samantha Power; The Penguin Press