No contexto dos recentes problemas migratórios com a Espanha, o Jornal Nacional de 11 de março apresentou uma reportagem sobre as mudanças feitas pela Polícia Federal em relação a quem cruza as fronteiras com Paraguai e Argentina. A partir de agora, passou-se a exigir a apresentação do documento de identificação de todas as pessoas que entram ou saem do país, exigência que também vale para carros, motos ou ônibus. Ao assistir a reportagem, lembrei-me do eterno problema que o Brasil enfrenta em relação ao contrabando paraguaio.
Basicamente, a alta informalidade da economia paraguaia advém da ausência de estruturação de interesses privados na nação guarani. Certo tipo de organização estrutural economico-privada já existia em países como o Brasil e a Argentina desde os anos 40, mas não ocorre no Paraguai até os dias de hoje. Malgrado algumas críticas, tanto o modelo varguista, no Brasil, quanto a proposta da “Generación del Ochenta” (nascida desde o século XIX), na Argentina, aglutinaram ambas as sociedades em favor de modelos de crescimento que trouxeram soberania e independência a essas duas nações.
A ausência de modelos semelhantes na sociedade paraguaia gerou uma informalidade brutal em sua economia. Essa informalidade, ao contrário do que apregoa a mídia brasileira, é muito mais histórica do que farsesca (como faz parecer a figura do contrabandista paraguaio). De modo atípico, segundo a Cia World Factbook, a agricultura tem um percentual no PIB maior do que a indústria. Exceto por algumas poucas indústrias cimenteiras, as fábricas paraguaias estão muito sucateadas ou simplesmente não existem. Apenas como exemplo, vale lembrar que os raros trens que ainda rodam foram adquiridos por Solano López no século XIX (os vagões que trafegam são da década de 1850).
Grosso modo, a elevada informalidade no Paraguai foi “consolidada” pelo governo do general Strossner. Para sobreviver, o general percebeu que precisava da lealdade das Forças Armadas e do respeito ao processo informal da economia (já então disseminado). Durante sua presidência, Strossner loteou os diversos produtos que seu país poderia importar e revender como contrabando. Normalmente, um alto burocrata ou um oficial graduado - coronel ou general - era chamado a ser responsável por uma gama específica de produtos: perfumes para um, uísque para outro, sucessivamente.
Apesar de a democracia ter retornado ao Paraguai, o processo de estruturação por meio do ilícito foi mantido. Assim, ao longo de sua história, o país não criou uma base produtiva que diminuísse o grau de informalidade na economia e a conseqüente necessidade do contrabando perdurou. O que ocorre, portanto, é a importação de mercadorias com algum valor agregado (armas, perfumes, bebidas) e o repasse desses mesmos produtos por meio do contrabando. De certa forma, é correto afirmar que nada vai mudar enquanto não houver uma base produtiva no país e, cada vez mais, será necessário criar instrumentos como a vistoria dos documentos de identificação na fronteira. Uma pena para um país com a riqueza cultural do Paraguai.
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