A singularidade geográfica da América do Sul fez com que grande parte da teoria geopolítica simplesmente ignorasse essa região do planeta. Nenhum outro continente tem as facilidades apresentadas pela América sulina no que tange à delimitação de fronteiras. Em nosso continente, as barreiras geográficas efetivamente impedem o surgimento de conflitos entre as nações. Tanto os Andes como a floresta amazônica representam papel crucial nessa característica: ao longo dos séculos, as montanhas andinas e a densidade florestal da Amazônia impediram a interação econômica e militar entre as pessoas residentes na região, dividindo - aos moldes de um grande mar - o continente e suas cidades mais populosas.
De certa forma, é correto afirmar que conflitos em larga escala não ocorrem na região. Exceto pela Guerra das Malvinas (na verdade, um embate entre uma força estrangeira contra um país sulino), a América do Sul tem vivido em relativa paz por mais de cem anos. Mesmo no cenário atual - malgrado os recentes desencontros entre Bolívia, Equador e Venezuela -, seria incorreto pensar que um real conflito militar fosse levado a termo.
No entanto, os eventos ocorridos indicam que, ao longo do processo de intensificação das identidades nacionais e da busca pelo crescimento econômico, a região tende a enfrentar uma mudança geopolítica - fato que deve resultar em freqüentes e maiores desentendimentos entre os Estados. Assim, conflitos menores criarão a ilusão de que grandes embates estão próximos de se realizar. Entretanto, é sensato supor que a realidade geográfica continuará a impor-se, mantendo intactos o status quo e a integridade territorial da região ao longo dos próximos anos.
No caso sul-americano, o engajamento e a preparação para guerra mostram-se como verdadeiros exercícios logísticos. É extremante difícil mobilizar tropas ou largas porções da população ao longo de montanhas cobertas de neve (no caso dos Andes), vastos desertos, áreas pantanosas ou pela floresta tropical. Adicione-se a isso o fato de que a maior parte das nações sul-americanas tem uma histórica carência industrial/militar. Assim, o conflito entre estados tem sido relativamente limitado no continente, enquanto prevalecem os conflitos intra-estatais.
Muitas nações sul-americanas têm o passado marcado por conflitos internos, geralmente entre oligarquias políticas ou entre a população simples. Esse tipo de “introspecção”, aliado aos fatores geográficos, contribuiu para os poucos embates entre estados. Entretanto, a melhoria da infra-estrutura no continente, o crescimento populacional e o desenvolvimento econômico - acompanhados de inovação tecnológica - estão amaciando as rígidas barreiras geográficas que mantiveram as fronteiras sul-americanas estáveis. Até o presente momento, porém, mesmo toda essa integração não foi capaz de alterar as realidades geográficas que dão forma à política regional.
Se, por um lado, as recentes iniciativas colombianas através das fronteiras refletem os ganhos econômicos do país; por outro, pode-se perceber que países como o Brasil ainda conseguem manter a região relativamente equilibrada. Talvez a mais vibrante nação sul-americana da atualidade, o Brasil tem vivido uma fase de economia e governo estáveis quando comparados ao padrão sul-americano. A economia e a consolidação interna do Brasil estão avançando a taxas muito maiores do que a de seus vizinhos, particularmente Bolívia, Paraguai e Argentina. Ainda assim, o Brasil evita arroubos de supremacia (a constituição brasileira elenca, especificamente, a não-intervenção como um dos princípios do país). Ademais, países como Bolívia, Paraguai e Uruguai tradicionalmente suavizam eventuais tensões entre o Brasil e vizinhos maiores. Considerando-se que a fronteira brasileira com esses países é uma das poucas áreas sul-americanas onde há reduzida obstrução logística, é notável a quase inexistência de manobras militares brasileiras pela região (especialmente se considerada a facilidade com a qual o Brasil poderia realizar tais ações). É correto presumir, contudo, que o incremento infra-estrutural, industrial e de transporte ao longo da fronteira brasileira amplia a capacidade de o Brasil projetar seu poder.
Ainda assim, o desenvolvimento econômico e tecnológico sul-americano não ultrapassou as poderosas forças geográficas de modo a alterar fundamentalmente a dinâmica geopolítica do continente. Os centros populacionais tendem a manter-se separados por muito tempo e os custos de transporte - militares ou outros - permanecerão altos. Desse modo, a escalada de eventos em favor de uma guerra entre dois estados sul-americanos parece improvável, embora as tensões fronteiriças e seus desdobramentos tendam a crescer ao longo dos próximos anos, conforme se intensifique o crescimento econômico regional.
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