Wednesday, January 28, 2009

Blindness

Na última terça-feira, após uma breve olhada no blog do Sérgio Rodrigues, descobri que a leitura de “No Country for Old Men” poderia ser uma boa sugestão para o final de semana. Por meio de sua série “Começos Inesquecíveis”, Rodrigues trazia as palavras iniciais do livro, editado pela Alfaguara em 2006 – tradução de Adriana Lisboa.

Eis que, entusiasmado pela ótima prosa da publicação, resolvi buscar o excerto da edição original disponível no site da Amazon. Começou aí o imbróglio.

No texto do blog do Sr. Rodrigues, as frases iniciais do livro eram as seguintes: “Mandei um garoto para a câmara de gás em Huntsville. Foi só um. Eu prendi e testemunhei contra ele ...”. Não sei por qual motivo, encasquetei com a terceira frase – “Eu prendi e testemunhei contra ele”.

Na versão original, em inglês, o texto encontra-se como segue: “I sent one boy to the gaschamber at Huntsville. One and only one. My arrest and my testimony ...”. Mesmo meus parcos conhecimentos de inglês fizeram-me pensar: essa terceira frase está mal traduzida, talvez em um contexto errado. Abespinhado pela dúvida, procurei um contato com a nobre Adriana Lisboa e, graças aos tempos digitais, encontrei um e-mail.

A mensagem enviada para ela – e também postada na caixa de comentários do blog - foi a seguinte:

“Adriana,

perdoe-me pelo e-mail desajeitado, uma dúvida coça cá em minha cabeça. Explico-me: estive lendo "No Country For Old Men" e a terceira frase do livro explodiu meu cérebro.

Ao ler "My arrest and my testimony" tive a impressão de que o autor queria passar uma mensagem impessoal, talvez em terceira pessoa. Algo como: "Minhas prisão e testemunho".

Traduzida dessa forma, penso eu, a mensagem teria pretensão impessoal, ao mesmo tempo em que transmitiria uma inflexão algo "riobaldiana". Não sei... pode ser só bobagem. De qualquer forma, peço antecipadas desculpas pela eventual - e amadora - intromissão no texto brilhantemente traduzido por ti.”
Ato contínuo, um tal de SC. Stocker – que, depois descobri, parece escrever no Le Monde - postou a seguinte mensagem nos comentários do blog do Sérgio Rodrigues, com erros e tudo:
““Minhas prisão e testemunho”, apesar de gramaticalmente impecável, é tão… tão… sei lá, tão pouco de acordo com o que se lê, fala e escreve no português de hoje! Cheira a Napoleão Mendes de Almeida, a Mattoso Câmara! Muito mais coloquial dizer “Eu o prendi e testemunhei contra ele”.

Preciso defender a Adriana Lisboa, minha ex-coleguinha de Pós na Uerj: ela é uma EX-CE-LEN-TE tradutora, tanto de inglês quanto de francês. Tenho várias traduções dela aqui. Naturalmente, não posso falar muito das traduções do inglês, mas as do francês são impecáveis. Já gostava dela, muito, como escritora, e gosto demais como tradutora.

P.s.: Se um dia alguém me vir (sic) escrevendo num texto ficcional “minhas prisão e testemunho”, por favor: cortem meu pinto! Horror, horror.”

Em nenhum momento eu havia criticado o texto da Adriana Lisboa, ainda menos ao ponto de ela precisar de uma defesa. Muito ao contrário do que pensa o Sr. Stockler, para meu deleite, a nobre Adriana havia respondido minha mensagem. Em menos de cinco minutos, ela retornou meu e-mail. Por meio de um texto agradecido e delicado, disse o seguinte:
“Oi, Renato,

Estou sem o original comigo. Pode ser que você esteja certo, sim. Aliás, não gosto do título que esse livro levou em português (escolha da editora). “No country for old men” não é uma expressão literal.

Traduzir é ainda mais arriscado do que escrever: ao escrever, as besteiras são nossas. Ao traduzir, forçamos ao outro as nossas besteiras... claro que sempre tem um revisor fazendo uma besteirinha aqui e ali também, nos dois casos :)
Mas vou arranjar um exemplar do livro em inglês e ver isso assim que possível.

Abraços e obrigada,
Adriana”

No final, apesar de ser tudo uma grande bobagem - traduções, textos e todo o resto -, é preciso ter cuidado e bom-senso para criticar. Por exemplo, a proposta do tal SC. é tão desleixada que ele cometeu um erro grosseiro quando sugestionou uma revisão no meu texto. Sugeriu ele: “Eu o prendi e testemunhei contra ele”. Ora bolas, a frase é gramaticalmente esdrúxula e, honra seja feita, muito ao gosto do péssimo português falado atualmente. “Eu o prendi e testemunhei contra ele” é, no mínimo, cacofonia rasteira. O mesmo que dizer “Eu prendi ele e testemunhei contra ele”. Talvez um cursinho de língua portuguesa, utilizando as gramáticas de Napoleão Mendes de Almeida e Mattoso Câmara, pudesse ajudar. De qualquer forma, é apenas uma sugestão.

* Atualização: o prezado citado nesse post resolveu prosseguir com os comentários no blog do Sérgio Rodrigues. Nas palavras dele: "Eu poderia, neste exato instante, esfregar em suas fuças as minhas credenciais acadêmicas, mas abstenho-me...". Freak

>> Amor de Loca Juventud; Buena Vista Social Club; Buena Vista Social Club
>> No Country for Old Men; Cormac McCarthy; Vinatege International

1 comment:

ncanani said...

É impressionante como o sangue sobe à cabeça de algumas pessoas por bobagens. O sujeito aquele do blogue certamente levou teus comentários para o lado pessoal. Não vou dizer o que penso da réplica dele porque poderia ser processado...

Também não gostei da solução encontrada pela tradutora. É muito diferente dizer "Eu (o) prendi, testemunhei contra ele", como está no texto brasileiro, e o original "My arrest my testimony".

O problema é que a maioria dos tradutores considera transposições literais do original como pouco profissionais, o que nem sempre é o caso. Aqui eu seria literal: "minha prisão, meu testemunho". O narrador está claramente em processo de anamnese. É natural, nesse contexto, que o discurso seja truncado. Frases curtas, soltas, sem verbo, servem bem para evocar essa imagem de uma memória que vem sendo recuperada aos poucos, de forma fragmentária. Como aparece em português, o texto perde todo esse efeito.

Grande Abraço,

Ney