Friday, December 31, 2010

Bons Anos

No início do sermão dos "Bons Anos", o padre Antônio Vieira faz bela exortação ao recomeço e ao futuro. Em sua primeira missa na capela régia, no dia 1o. de janeiro de 1642, afirmou o religioso:
"(...) Ora com isto se representar assim, com o Evangelho e o tempo parecer que nos prometem poucas esperanças de felizes anos, do mesmo tempo e do mesmo Evangelho hei de tirar hoje a prova e segurança. Deles será, pois a matéria e empresa do sermão esta: Felicidades de Portugal, juízo dos anos que vêm. Digo dos anos, e não do ano, porque quem tem obrigação de dar bons-anos, não satisfaz com um só, senão com muitos. Funda-me o pensamento o mesmo Evangelho, que parece o desfavorecia; porque toda a matéria e sentido dele é um prognóstico de felicidades futuras."
Nessa pregação, Vieira incitou o auditório a perseverar na luta desigual contra Castela e propôs soluções várias aos problemas da época. Baseou-se, ainda, no juramento de D. Afonso Henriques e nas profecias atribuídas a São Frei Gil para escrever o arrazoado e estimular os portugueses a enfrentar os tempos futuros.

Muitos anos depois, em 1925, no poema "Descobrimento", Mário de Andrade também escreveu sobre exortação e união. Dessa vez, porém, o poeta dissertava pressionado sob a égide de nossa dívida social. Abancado à escrivaninha de sua casa, na rua Lopes Chaves, Andrade alegou sentir um friúme por dentro.

"Fiquei trêmulo, muito comovido", disse o poeta. Na sequência, lembrou que: "lá no Norte, meu Deus! Muito longe de mim, na escuridão ativa da noite que caiu, um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos, depois de fazer uma pele com a borracha do dia, faz pouco se deitou, está dormindo. Esse homem é brasileiro que nem eu".

No texto, o escritor saiu de si e observou um sentimento que foi gerido na sociedade brasileira ao longo dos anos e, aparentemente, solidifica-se nos dias atuais. Apesar de todas as diferenças da nação, nós somos muitos e devemos ser um só - essa é a mensagem de Andrade acerca do futuro a ser almejado pelo Brasil.

Hoje, 2010, sem ajuda específica do governo, mas impulsionadas pelo bom momento nacional, três famílias de catadores de papel que moravam em barracos perto do Palácio do Planalto ascenderam à classe media. Fundamentados pelas lições de Vieira, relembrados pela poesia de Andrade e esperançados pela bonança contemporânea, esses brasileiros eram esquecidos e incluíram-se. Eram sozinhos e incoproraram-se ao todo, unos.

Motivo suficiente, portanto, para estourar os fogos na virada. A esses prezados que, conforme a lição de Mário de Andrade, são brasileiros como nós, fica minha mensagem de ano bom.

Somos brasileiros, somos a novidade mundial e somos um só. Feliz ano novo, que 2011 se renda a nossos desejos.

>> Eu Quero Ver Gol; O Rappa; Acústico MTV
>> Quando Fui Outro; Fernando Pessoa; Alfaguara

Thursday, December 30, 2010

El Cementerio

"Los peores de todos, sin duda, son los jesuitas. Tengo la vaga sensación de haberles hecho alguna que otra jugarreta, o quizá sean ellos los que me han hecho daño, todavía no lo recuerdo bien. O quizá eran sus hermanos carnales, los masones, iguales a los jesuitas, sólo que un poco más confusos. Aquéllos, por lo menos, tienen una teología propia y saben cómo manejarla, éstos tienen demasiadas y pierden la cabeza. De los masones me hablaba el abuelo. Junto con los judíos, le cortaron la cabeza al rey. Y generaron a los carbonarios, masones un poco más estúpidos porque se dejaron fusilar, en una ocasión, y después se dejaron cortar la cabeza por haberse equivocado en la fabricación de una bomba, o se convirtieron en socialistas, comunistas y comuneros. Todos al paredón. Bien hecho, Thiers.
Masones y jesuitas. Los jesuitas son masones vestidos de mujer."
Lendo o novo e excelente livro de Humberto Eco, "O Cemitério de Praga". Ainda sem versão para o português, você pode encontrá-lo aqui.

>> If You Run; The Boxer Rebellion; Going the Distance (Original Motion Picture Soundtrack)
>> El Cementerio de Praga; Humberto Eco;

Tuesday, December 28, 2010

Alvissarareis

Leio que o desemprego nas seis principais capitais do país atingiu a taxa histórica de 5,7%. A mesma notícia informa que o número pode cair para 5% até o fim do ano, configurando sinais de pleno emprego no Brasil. Por si só, um belo motivo para abrir o champanhe do ano novo.

>> Shot In the Back of the Head; Moby; Wait for Me (Deluxe Edition)
>> El Cementerio de Praga; Humberto Eco; Lumeneditorial

Thursday, December 23, 2010

Estes Dias de Dezembro

Na ocasião em que rumava ao Oriente, Alexandre, o grande, encontrou alguns pensadores indianos e lançou-lhes intrigante desafio. “Quando um homem deve morrer?”, indagou o filho da Macedônia. Condenado à morte caso a resposta fosse néscia, um dos pensadores respondeu: “Um homem deve morrer quando não mais tiver vontade de viver”.

Foi esse afã pela vida que nos nutriu como homens e como sociedade. A vida, conforme podemos comprovar no cotidiano e na lição do Criador, é uma aventura coletiva. Ato contínuo, o Natal é a renovação desse sentimento, acerca do qual devemos manter a “vontade de viver” para preservarmos nossa humanidade.

Ao contrário do que evoca o 25 de dezembro, porém, um dos intermediários do suicídio das sociedades humanas é o egoísmo. Hoje, vivemos em um mundo no qual se manifesta a terrível experiência do interesse próprio desmedido. Apesar de não ser evento novo na história humana, a virulência do individualismo atual apresenta-se ímpar. Não por outro motivo, a solidão humana materializa a deformação do amor, sentimento essencial à vida.

Única maneira de saciar esse “medo do outro” e de tentarmos entender os motivos do individualismo, o bem comum deve, sempre, ser utilizado para equilibrar a bondade humana. Em razão disso, o Natal deve ser percebido como a manifestação desse equilíbrio e do retorno do homem a si.

Lentamente, começamos a dar-nos conta de que é preciso retomar a essência do homem: voltar ao senso comum do que é possível e desejável a todos. O maior desafio moderno, enfim, é descobrir como demolir a arquitetura do caos e da separação que parecem nos envolver.

De acordo com a Escritura Sagrada, a humanidade poderia ser una. No lema bíblico, olhamos todos para o mesmo horizonte; precisamos, portanto, ver o mesmo céu. É a isso que cada um de nós deve celebrar.

Nesse exercício de reendereçamento do homem, observadas as questões de fé, o Natal fornece-nos símbolos eficazes: suaviza o travor do cotidiano e lembra-nos que, como homens, somos filhos do Homem. Assim, precisamos manter acesa a “vontade de viver” - questionada por Alexandre -, para que seja possível, junto aos ensinamentos do Criador e de seus discípulos, prosperar na maior metáfora da vida solidária. Aquela que nos ensina: os homens nasceram para a amizade e não para o desprezo e o ódio.

Portanto, prezados, abracem os seus mais caros amigos, bebam o melhor vinho e sorriam. Não haverá erro e será inesquecível. Feliz Natal.

>> Classic Rock FM - 91,5
>> White House Ghosts; Robert Schlesinger; Kindle Edition

Friday, November 26, 2010

Há 445 anos, ontem.


Em 1565, imbuída da missão de criar uma cidade e expulsar definitivamente os franceses remanescentes, a coroa portuguesa enviou ao Brasil o jovem Estácio de Sá. Comandante de uma flotilha de dezoito barcos, Estácio conquistou a Baía de Guanabara e fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, em homenagem ao Rei de Portugal, Dom Sebastião.

A cerimônia de fundação ocorreu às pressas. Para cumprir a missão, em meio ao ataque de índios e franceses, mandou erguer uma muralha e nela colocou uma porta com fechadura. À guisa de porteiro, nomeou o patrício Franciso Dias Pinto, a quem entregou a chave para que a trancasse por dentro. Realizou, então, a cerimônia.

Após três leves batidas na porta, recebeu a indagação: “quem vem lá?”. “Estácio de Sá, governador do Rio de Janeiro, que pede para entrar”, respondeu o fundador. Sem grandes discursos ou pompas, apenas três batidas e o pedido para entrar, instituía-se a cidade(1).

O grupamento militar trazido pelo novo governante, além de garantir a criação do vilarejo, veio para retomar a posse da Guanabara, perdida para os franceses e para a Confederação dos Tamoios. Os índios, acastelados no litoral do atual estado do Rio - de Angra dos Reis a Cabo Frio - compunham-se de várias tribos, principalmente tupinambás, e atrapalhavam a consolidação da colônia de Piratininga, atual São Paulo.

O regimento de Estácio instituiu o que, à época, chamou-se de o Terço do Rio de Janeiro e, em 1567, teve sucesso na expulsão de índios e franceses. Esse pequeno grupo deu origem às forças de segurança do Estado e, ao longo da história, foi gradativamente mudando de nome até tomar a configuração atual. De algum modo, o regimento, ao longo dos anos, imbuído do espírito estaciano, viu a Revolta da Armada, presenciou a Revolta da Vacina, esteve lá quando Vargas amarrou os cavalos no Obelisco, atuou nos Dezoito do Forte, agiu contra a Intentona Comunista, entre muitos outros eventos. Até ontem.

Em 25 de novembro de 2010, desprovido de cerimônias ou gracejos, Estácio de Sá bateu novamente à porta do Rio de Janeiro. Desta feita, não viera expulsar franceses ou índios. Eram cariocas os inimigos da vez.

Ao longo do dia de ontem, as cenas de guerra e de fuga dos bandidos geraram espanto e esperança. Ao final, do alto, correndo desconexos, os traficantes mostraram o que são: um grupo em desordem. Apesar da dor de ver garotos tão jovens, desesperados e sem destino, pôde-se perceber alguma chance da vitória.

Em um dos momentos mais duros de sua história, o Rio de Janeiro parece ter reconquistado a vitalidade e a vontade de reagir. Felizmente, alguém no controle do Estado percebeu que a continuidade das políticas anteriores era insustentável. A jóia da coroa, a cidade maravilhosa, a terra de encantos mil, protestou na tarde da quinta-feira passada.

Por isso, como falei, Estácio esteve novamente à porta carioca no dia de ontem. Queira o bom Deus, as coisas comecem realmente a mudar. A opção era essa ou, então, contemplar de braços abertos o inaceitável.

De minha parte, penso que a cena estática dos anos anteriores, no que diz respeito à segurança, careceu de “grandes almas”, como afirmaria Stendhal. A desconfiança, o medo e a ausência de verdadeiro líder habitaram os espíritos e petrificaram o carioca. Exceto por algumas vozes roucas, poucos pareciam avaliar o que estava em jogo. Tropas descontroladas, políticos corruptos, coronéis impacientes, governadores circunpesctos, presidentes inaudíveis: nos anos de omissão, a sociedade carioca afastou-se de seu destino. Até ontem.

>> Song To The Siren; This Mortal Coil; It'll End in Tears
>> O Escandâlo Daniel Dantas - Duas Investigações; Raimundo Pereira; Manifesto Editora

1 No Mínimo - 2005
2 Algumas vozes, como a do ex-prefeito César Maia e do ex-governador Garotinho, levantam-se contra a operação de ontem. Alegam, em essência, que ações idênticas foram efetivadas em 2008 e, ainda assim, o bando não abandonou a favela. Parecem críticas vazias, pois, há época em que governaram a cidade, agiram de modo bastante diverso do atual.

Monday, November 22, 2010

Gonzo Kitchen: Gonzo Beer


Encontrei, ontem, no Sam's Club daqui de BSB, uma marca de cerveja chamada Flying Dog. Custa em torno de R$7,90 - garrafa long neck - e é muito boa.


Comprei uma Pale Ale, que achei excepcional, e uma chamada Gonzo Imperial Porter, feita em homenagem a Hunter Thompson (ainda não bebi). O visual das embalagens é bacana e, depois de ter bebido a Ale, eu recomendo.

O gonzo kitchen está de volta. Aguardem.

>> The Economist
>> You Are The Everything; R.E.M.; Green

Thursday, November 18, 2010

Lex América


"A população não percebeu as mudanças políticas no Cone Sul do continente americano quando, em uma fria manhã de maio de 2007, reuniu-se pela primeira vez o Parlamento do Mercosul. Em verde, amarelo, azul e vermelho, as bandeiras dos países pertencentes ao Bloco tremulavam diante do Palácio Legislativo uruguaio, em Montevidéu. Juntas, representavam a reunião de cinco nações no maior evento desse tipo já realizado na América do Sul e, a sua maneira, o primeiro e mais importante de todos. Malgrado o Uruguai tenha recebido muita chuva ao longo da semana — e o tempo estivesse ruim —, o dia era bom no relógio da história.

Conforme o texto da ata da primeira sessão, os trabalhos foram iniciados pelo Presidente da Assembleia Uruguaia, Rodolfo Nin Novoa, que ofereceu boas-vindas aos presentes e cedeu o uso das instalações para a realização da cerimônia ao Senhor Presidente do Parlamento do Mercosul, Senador Alfonso González Núñez. Após os agradecimentos de praxe, Nuñez oficializou a cerimônia e passou à Ordem do Dia a fim de aprovar o regimento da sessão e de prosseguir com a leitura do nome de todos os parlamentares designados pra integrar o Parlasul — tudo conforme o protocolo. Em seguida, deu-se início à eleição da Mesa Diretora e aos discursos das autoridades presentes. O clima era de alegria, embora fosse perceptível uma ligeira tensão no ar."
Eis o início de artigo que produzi: "Lex América - os Tratados e o Legislativo no Mercosul". O texto foi publicado pela revista de pós graduação da Câmara dos Deputados e está disponível aqui. Trata do processo de incorporação dos tratados no seio mercosulino e propõe haver um sistema legislativo - o qual nomeei de "Lex América" - próprio ao cone sul do continente.

>> I Am Ozzy; Ozzy Osbourne; Grand Central Publishing
>> Dona Cila; Maria Gadú; Maria Gadú

Thursday, November 04, 2010

A Arte de Dizer Nada

"Em resumo, vemos um cenário marcado pela reacomodação estratégica de um importante número de países que possuem certos atributos de poder e que gravitam em suas respectivas áreas geográficas."

É incrível a capacidade que alguns professores de relações internacionais possuem para escrever artigos inteiros e não dizer nada. Incrível.

>> I Am Ozzy; Ozzy Osbourne; Grand Central Publishing
>> Harvest Moon; Cassandra Wilson; New Moon Daughter

Saturday, October 16, 2010

E La Nave Va


Pelo teor dos recentes eventos, parece-me que, com relativo perigo, a pequenez dominou o processo eleitoral. Infelizmente, debate surreal e maniqueísta reina na eleição.

À guisa de renovar os esforços neste pouco tempo que resta, vale lembrar parte do preâmbulo da Constituição Federal: nós, representantes do povo brasileiro, reunimo-nos para instituir um Estado Democrático, destinado ao exercício dos direitos sociais e do bem-estar. Essa frase, pronunciada inicialmente em 1988, mantém sua atualidade e não pode ser esquecida por aqueles que pretendem trabalhar no Planalto.

Vinte e dois anos atrás, o grupo de homens que representava a nação, com essas simples palavras, reincluiu o Brasil na experiência democrática e na busca pelo fim da exclusão social. O documento que assinaram ilustra o contínuo esforço de nosso povo em favor da inclusão e da melhoria das condições de vida.

Creio que sobrevivemos como nação porque, em meio aos percalços, sempre existiram a esperança e a possibilidade de criarmos um país melhor. Conforme já afirmei por aqui, penso que o Estado deve servir exatamente para esse fim: melhorar a vida de seu povo. Na frase de Tancredo Neves, um país justo é aquele que contém a ganância dos ricos e eleva a renda dos pobres, de maneira a construir a mais ampla classe média possível”.

Malgrado tenhamos oscilado entre alguns desânimos, procuramos superar nossos mais terríveis fantasmas. Hoje, no contexto da moeda estável e do acesso ao trabalho, o cidadão encontra dignidade e pode planejar a vida de modo mais tranqüilo.

Após esses anos, enfrentadas as vicissitudes, o país parece começar a reerguer-se e a esperança volta a assistir-nos. O governo do Presidente Lula, por exemplo, modernizou e criou programas que atestam o incremento da qualidade de vida do brasileiro. Entre essas políticas, posso citar o Bolsa Família, o programa Luz para Todos, as alterações no ensino superior, entre muitos outros. No caso das Metas do Milênio, já em 2010, estamos perto de atingir objetivos que a Organização das Nações Unidas traçou para 2015.

Essas políticas permitiram ao povo renovar o espírito de patriotismo e dever cívico, além de lhe garantir dignidade. O Bolsa Família assegura o sustento essencial, o Luz para Todos traz modernidade e o acesso ao ensino superior torna real o sonho de um futuro melhor. De acordo com o que o Presidente da República gosta de repetir: nunca antes neste país, tantas pessoas foram contempladas de modo tão abrangente.

Ao contrário do que se dizia à época da República Velha, a questão social não pode mais ser vista como um problema de polícia, manietado pelo reducionismo. Nossa atual Constituição simplesmente abomina interpretações que considerem teses desse teor. Aborto, religião, escolhas sexuais, não é essa a essência nacional.

Ao longo de nossa história, a inteligência dos verdadeiros homens de estado logrou-nos progresso - e esse é o legado que se deve debater. Não podemos perder o rumo em devaneios surrealistas. Na lição dos constituintes de 1988, nosso destino é o bem-estar e a inclusão. A meu ver, é isso que precisa ser lembrado nesses últimos dias de campanha.

>>This City; Steve Earle; Treme - Music From The HBO Original Series, Season 1
>> O Colecionador de Mundos; Ilija Trojanow; Companhia das Letras

Almaviva


Em recente almoço, junto a alguns amigos, aproveitamos uma garrafa de Almaviva que dormitava calmamente na adega. Não sou nenhum connoisseur de vinhos, mas, após decantar, o bichano estava uma beleza. Fica o registro.

>> Indian Red; Donald Harrison; Treme - Music From The HBO Original Series, Season 1
>> Memória de Elefante; Caeto; Quadrinhos na Cia.

Sunday, October 03, 2010

"... antes que o sol de domingo nos chame às urnas"

03 de outubro, há eleições. Conforme imaginei, o dia começou com um sol tímido em Brasília. Esta é a primeira vez que votarei por aqui. À lição de Pessoa, deverá valer a pena.

De minha parte, fico cá com uma saudade: não há Rio de Janeiro no cerrado. Caso estivesse em terras fluminenses, seria certo haver um churrasco em Itaboraí.

O domingo serviria a isso. Após votar, mandar-me-ia para o sítio, e a turma de sempre estaria por lá. Alguns já teriam votado, outros estariam apenas de passagem para o voto, aproveitando o azul do céu. Seria mais um dia mágico.

Haveria carnes queimando, cervejas e comidas ao longo de todo o encontro. Conforme votassem, os amigos passariam por lá: um dedo de prosa, acho que fulano vencerá, esse ano não sei, já votei – cada qual teria sua opinião. Por algum motivo que não me recordo, no correr do dia, muitos candidatos também apareceriam: cabalariam os últimos votos, almoçariam, descansariam, curtiriam papo. Seria assim quase o domingo inteiro.

Tendo em vista ser eleição, valeria a festa. Desde a redemocratização, minha família criou o hábito de fazer um churrasco no dia da votação. Creio que em razão dos muitos anos de escolhas restritas, o encontro funcionava como uma jóia.

Pois bem, hoje, talvez seja bom aproveitar o dia. Pode-se providenciar algumas picanhas, sal grosso, carvão, limões, cachaça, gelo, cervejas e a alegria de sempre. Turmas várias - os prezados não vistos há muito tempo – podem chegar, juntar mesas, cadeiras. Um churrasco à moda carioca, pois é.

Para citar uma das frases do Presidente Getúlio Vargas: "nem um ditador pode mudar um momento como esse". É dia de eleição, e há sol.

>> I Got It Bad; Nina Simone; Best of Coolpix Years
>> A Journey; Tony Blair; Knope

Tuesday, September 28, 2010

Here comes the rain


Esse é o cenário em BSB neste momento. Para quem é daqui, nada demais: dada a quantidade de dias sem chuva - e da imensa nuvem de pó suspensa na atmosfera -, uma mistura de lama, água e sujeira deve começar a descer do céu.

>> The Hand That Feeds; With Teeth; Nine Inch Nails.
>> Asterios Polyp; David Mazzucchelli; Phanteon

Tuesday, September 07, 2010

132 and counting

28 de abril de 2010 foi o último dia no qual choveu para valer em BSB. Feels like the Sahara.

>> Mas quem disse que eu te esqueço - com Ivone Lara; Zeca Pagodinho; Zeca Pagodinho - Duetos
>> As Correções; Jonathan Frazen; Companhia das Letras

Saturday, August 28, 2010

Conselhos ao B.

#14 Use sinônimos.

Seu texto ficará mais elegante e menos repetitivo. Porém, não se deixe emocionar pela troca exagerada de palavras: não existem sinônimos perfeitos.

>> Circus (acoustic); Lenny Kravitz; MTV Unplugged
>> Prosa; Carlos Drummond de Andrade; Nova Aguilar

Friday, August 27, 2010

Gonzo Kitchen: Ovo Poché "microwaved"

Ingredientes
1 ovo
1/3 de copo com água
Aproximadamente 1/2 colher de sopa de vinagre (opcional)

Equipamento
Forno de microondas
Xícara que possa ir ao microondas
Prato pequeno que também possa ir ao microondas
Escumadeira pequena

Instruções
1 - Pegue os ingredientes. O vinagre é opcional, mas, caso queira usá-lo, ajudará o ovo a aglutinar-se um pouco melhor.
2 - Quebre o ovo e ponha na xícara. Jogue a casca fora. :)
3 - Coloque a água dentro da xícara.
4 - Adicione uma pitada de vinagre (você também pode adicionar o vinagre diretamente na água, antes de colocá-la na xícara).
5 - Cubra a xícara com o prato. Coloque no microondas e cozinhe com 80% da potência por 60 segundos. Verifique o ovo. Se não estiver pronto, retorne ao microondas e cozinhe com 80% da potência por 20 segundos (aqui, eu utilizei o total dos 80 segundos).
6 - Remova da água com a escumadeira e saboreie.

Notas adicionais:
- Nesse método, o ovo ficará um pouco mole. Caso goste de algo mais bem passado, use o máximo da potência do microondas por 60 segundos.
- Observe que, ao contrário do cozimento no fogão comum, o microondas tende a cozinhar a gema mais rápido do que a clara. Então, se você gosta da gema mole, é melhor retirar o ovo enquanto a clara ainda está molenga.

>> Gypsy; Shakira; She Wolf (Deluxe Edition)
>> Prosa; Carlos Drummond de Andrade; Nova Aguilar

Friday, July 30, 2010

Conselhos ao B.

#13 Ninguém é "superficial".

Na tentativa de definir algumas pessoas como "rasas" ou "pobres", certos indivíduos qualificam os outros como "superficiais". Saiba que essa expressão - "valores rasos" - é um oxímoro.
Pode até não haver importância em coisas que terceiros considerem relevantes. Todavia, taxá-los como "rasos" apenas enfatizará sua própria incapacidade de também não o ser.

>> The Parting Glass; Mark Seymour; Liberation Blue Acoustic Series
>> O Brasil e os Ventos do Mundo; Luiz Felipe Lampreia; Objetiva

Wednesday, July 21, 2010

Opa! Peraí, Caceta!

Nesta quarta-feira, o jornal O Globo traz notícia intrigante. Talvez, em seqüência ao último domingo, o jornalão carioca apresenta análise inusitada - realizada pela FGV - para nossa economia.

Segundo a manchete, a economia informal do Brasil movimentou R$ 578 bilhões em 2009. A se acreditar na avaliação da FGV, o montante supera o PIB de toda a Argentina. Sinceramente, não sei se é uma notícia a comemorar. Afinal, melhor seria se tivéssemos esse dinheiro incluído na economia formal.

Além disso, o valor pareceu - mais uma vez - um tanto exagerado: defensor do modelo adotado durante os anos FHC. Naquela época, economia informal "significava" empreendedorismo (sic). De qualquer forma, nunca é ruim estar à frente da Mafalda e do Maradona...

>> Beat Acelerado; Metrô; Beat Acelerado
>> Diplomacia Suja; Craig Murray; Companhia das Letras

Monday, July 19, 2010

And This Is a Perfect Lie

Em uma de suas mais conhecidas aventuras, o barão de Munchausen atravessava um pântano movediço e, subitamente, percebeu que seu cavalo afundava no brejo. Sem outro meio de salvar a si e ao animal, o mentiroso lorde não teve dúvida: puxou pelos próprios cabelos e, assim, o cavalo pôde saltar até encontrar terra firme.

A história é fantasiosa e bastante exagerada, mas serve de alegoria para os tempos em que vivemos. No último domingo, por exemplo, o jornal O Globo utilizou-se desse tipo de construção “mágico-realista” na tentativa de inculcar algum tempero liberal no debate das eleições.

Puxando pelos próprios cabelos, o jornalão publicou matéria de capa com a seguinte manchete: “Cem milhões de brasileiros vivem com dinheiro público”. A enormidade do número provocou uma dúvida: não é possível, 52% da população vivendo do governo? Ora bolas, a ser verdade tal afirmativa, o país torna-se inviável. Ademais, como fica o setor privado diante deste quadro: não emprega ninguém?

Após ler a reportagem, restaram evidentes duas conclusões: a primeira, foi a certeza de ter lido uma matéria liberal, muito ao gosto da atual oposição; a segunda, foi a reforçada convicção de que esse mesmo grupo oposicionista é ruim de dar dó.

Ao longo do texto, o repórter analisa algumas afirmativas do economista Raul Velloso. Para além da renomada competência de Velloso, os cálculos são de uma pobreza ímpar. De acordo com O Globo, cerca de 48 milhões de brasileiros dependem diretamente do dinheiro arrecadado por impostos - aqui inclusos pensionistas, aposentados, bolsistas e outros mais. Por meio dessa generalização*, segue o economista:
Como, na sua grande maioria, esses pagamentos se configuram em renda familiar, o número de beneficiados é bem maior. Se levado em conta que essa renda ajuda a manter ao menos duas pessoas, a quantidade de brasileiros que vivem de recursos advindos da arrecadação tributária sobe para cerca de 100 milhões de pessoas”.
Chegamos ao número mágico, enfim: 100.000.000 de preguiçosos, para usar uma expressão do saudoso Presidente Fernando Henrique Cardoso. Em síntese, a reportagem, ao utilizar-se do total de pessoas supostamente mantidas pelo estado, tenta repisar a velha tecla de que o governo Lula contratou pessoas demais.

Fosse um pouco mais sofisticado, o número até poderia ser crível. Todavia, tal como se apresenta, faz lembrar do Barão da mentira. A realidade, felizmente, é muito diversa.

Em recente relatório, preparado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, os números são mais transparentes do que conta O Globo. Não exatamente um órgão partidário dos governos sociais, a OCDE diz que a quantidade de pessoas empregadas pelo estado brasileiro segue ritmo muito bom.

Em outras palavras, o estudo diz que a proporção de empregos públicos em relação à força total de trabalho no Brasil é relativamente baixa na comparação com países desenvolvidos. Segundo a análise, o total de servidores públicos brasileiros, incluindo as empresas estatais, representa 12% do total de empregos do país. Para se ter uma idéia, a média das percentagens dos servidores públicos nos 31 países analisados, em relação aos empregos totais, é de 22%. Estamos muito bem, portanto.

Na seqüência do estudo, a OCDE diz que, entre 1995 e 2003, o presidente Cardoso exonerou/demitiu 85 mil pessoas, caindo de cerca de 570 mil para 485 mil empregados estatais. No governo Lula, ao contrário do que diz a imprensa, não houve inchaço da máquina, haja vista que, até agora, o total de servidores e empregados públicos é de 540 mil. Número ainda menor do que aquele à época do governo Cardoso, quase dez anos atrás.

Ora, o país cresceu e modernizou-se. Precisa, portanto, de um corpo de servidores e agentes estatais que possa suprir a atual demanda nacional. O que o argumento oposicionista e liberal precisa entender é que a República não é mais um bem de família, a ser tratado por poucos. A modernidade não comporta o conceito de “estado mínimo”, reversamente incutido na matéria de O Globo.

Acima de tudo, o recurso do jornal carioca mostra-se mentiroso e ineficaz por si só. Se o intuito era alavancar o pleito dos partidos da oposição, a matéria figura estratégia impossível.

A se seguir o exemplo de Munchausen, uma mentira que se pretende tornar realidade, não pode o candidato paulista – calvo como é – puxar pelos cabelos que lhe faltam. A fim de fugir do atoleiro no qual, por hora, afunda sua campanha, recomendável seriam estratégias mais inteligentes e honrosas à sabedoria do eleitor.

>> Varrendo a Lua; Roberta Campos; Varrendo a Lua
>> Diplomacia Suja; Craig Murray; Companhia das Letras

*Pensionistas e aposentados, por exemplo, não se enquadram na reducionista figura de “dependentes de impostos”. O dinheiro do INSS resulta da contribuição dos seus segurados e, em essência, não é imposto ou “dinheiro do governo” como muitos querem fazer crer.

Thursday, July 01, 2010

A Missão

Cristianizaram o índio.

>> Jack-in-the-Box, ballet: No. 2, "Entr'acte"; Erik Satie; Satie: Popular Piano Works
>> Maldito Juscelino

Saturday, June 26, 2010

Cuma?!?

Ao que parece, o pessoal da Avenida Paulista atingiu o máximo do estoicismo. Álvaro Dias para vice-presidente é, no mínimo, estranho.

Malgrado mereça todo o respeito, o Senador tem pequena projeção nacional, vem de um Estado que possui meros 6% do eleitorado brasileiro e - mal maior - vai criar um tipo de chapa única que não era vista em nossas eleições desde 1945. A se manter a idéia, o PSDB acaba de perder o pleito de 2010.

No passado recente, o caso me faz lembrar da escolha de Sarah Palin para a VP do John McCain: um retumbante desastre. Além de desagradar seu único aliado político - o DEM -, José Serra vai afastar todo o eleitorado nordestino e mineiro. Acho que poucos nomes criariam efeito pior na camapanha do ex-governador de São Paulo ao Palácio do Planalto.

>> New Test Leper; New Adventures in Hi-Fi; R.E.M.
>> Maldito Juscelino; Pedro da Cunha Menezes; Andréia Jakobsson Estúdio Editorial

Tuesday, June 08, 2010

Novo CPC

Também aqui, está disponível o anteprojeto do novo CPC. Boa leitura a todos.

>> Leaving New York; Around The Sun; R.E.M.
>> O Crime do Restuarante Chinês; Boris Fausto; Companhia das Letras

Sunday, June 06, 2010

Novo CPC

Com a ajuda do nobre Bruno Dantas, o anteprojeto do novo CPC poderá ser encontrado por aqui na terça-feira, ao meio dia.

>> Melhor; Das Kapital; Capital Inicial
>> Um Ano na Provence; Peter Mayle; Rocco

Wednesday, June 02, 2010

Posologia

"A posologia deve ser aplicada diariamente, até que o paciente não saiba mais como ficar triste. É remédio para a vida toda."
Citação da página "quem somos", dos Doutores da Alegria. Em tempos nos quais ajuda humanitária é tratada como terrorismo, nada melhor do que desarmar os espíritos.

>> Köln, January 24, 1975 Part I; Keith Jarrett; The Köln Concert
>> Solar; Ian McEwan; Nan A. Talese - First Edition edition

Monday, May 17, 2010

Conselhos ao B.

#12 Orgulhe-se de seu trabalho

>> Vida da Gente; Zeca Pagodinho; À Vera
>> Um Ano na Provence; Peter Mayle; Rocco

Friday, May 14, 2010

Drummondis

Esta semana, precisei escrever um texto sobre o poeta Carlos Drummond de Andrade. De certo modo, a prosa drummondiana ficou presa em minha cabeça desde então. Felizmente, a arte do poeta sobreviveu ao tempo.

Por meio de seus poemas, o trabalho de Carlos Drummond de Andrade representa momento ulterior do Modernismo na literatura pátria. Em seus textos, o poeta aprofundou e amadureceu as conquistas da geração de 1922.

No aspecto formal, os novos poetas modernistas – Drummond entre eles – continuavam a pesquisa estética iniciada na década anterior e demarcada pelo verso livre. De tal forma que relativa influência da obra de Mário de Andrade pode, inclusive, ser percebida em seus poemas. Hoje reconhecidos como elementos drummondianos, a poesia sintética e o verso curto foram elementos utilizados de forma profícua pela escola modernista original e, posteriormente, renovados pelos poetas da coorte pós-22.

Foi na temática, entretanto, que se percebeu a maior expressão dessa remoçada postura artística. Drummond, por exemplo, passou a questionar com maior vigor tanto a realidade quanto a si mesmo. O poema “Legado” é um exemplo dessa dualidade, no sentido de que o poeta pergunta-se acerca de merecer mais do que os outros ou não. Ato contínuo, o autor indaga acerca de seu eu e, por conseqüência, da herança deixada pelo artista na complexidade do mundo contemporâneo ao final da Guerra Fria: o titulo do poema é, assim, a síntese do argumento proposto pelo itabirano.

A partir de tais preceitos, a literatura de Drummond redundou mais construtiva e politizada, que não se podia afastar das imensas transformações ocorridas no período. Malgrado tenha sido época de incertezas, Carlos Drummond de Andrade utilizou-se de temáticas definidas e compromissadas a fim de aprofundar as relações do eu – humano - com o mundo, ainda que com a certeza da fragilidade do primeiro. De certa forma, a relação dialética entre as escolhas vocabulares efetuadas pelo escritor representa tal característica.

Essa consciência, longe de significar derrotismo, apresentou-se como perspectiva singular adotada pelo poeta a fim de enfrentar tempos assimétricos e, ainda, contribuiu para transformá-lo em um dos maiores escritores brasileiros. Suas conquistas acompanharam a evolução dos acontecimentos e registraram grande parte dos eventos no cotidiano humano, embora quase sempre sintetizados em universos fechados e despersonificados: como falei acima, o “legado” não deixado em nenhum canto radioso é exemplo maior desse distanciamento pessoal.

Dessa forma, Drummond, possuído de alguns momentos esperançosos, logo após tornava-se taciturno, isolado dos acontecimentos. Acima de tudo, porém, foi um poeta que negou todas as formas de fuga da realidade e manteve atenta percepção ao presente, voltada para o mundo e para os seus iguais. Porque, como muito bem o disse, não se pode sozinho dinamitar a ilha de Manhattan.

>> Novos Horizontes; Engenheiros do Hawaí; 10.000 Destinos
>> Um Ano na Provence; Peter Mayle; Rocco

Friday, April 30, 2010

Os Outros: Guilherme Fiúza

"Com a pista livre, Boni foi verificar os índices de audiência: os cassestas grosseiros e anônimos tinham superado os trinta pontos no ibope. Sucesso total. Com a alma lavada e os números mágicos na mão, o diretor correu à sala de Roberto Marinho.
O Chefe ficou feliz com as notícias sobre a ampla aceitação do público. Mas continuou ressabiado:
- Boni, eu acho pesado. Vai ser sempre assim?
- Não, doutor Roberto. Quando os rapazes ficarem mais à vontade vai piorar um pouquinho...".
O novo livro de Guilherme Fiúza, "Bussunda - A Vida do Casseta". Veja lá o primeiro capítulo.

>> There She Goes Again; R.E.M.; Dead Letter Office
>> Os Espiões; Luis Fernando Verissimo; Alfagarra

Saturday, April 17, 2010

Enquanto isso, lá no Pontão...

A foto acima foi tirada em um ensolarado momento no Pontão do Lago Sul. A imagem vale por si.

>> Sports et divertissements (21 Sports and Diversions), for piano: No. 16, "Le water-chute"; Eric Satie; Satie: Popular Piano Works
>> Revista Piauí; Abril 2010

* A autoria da foto é de Junior Behrens

Thursday, April 15, 2010

Alvíssaras

Lá, no blog do Canani, você encontra notícia mais do que interessante. Em transcrição literal:
"saiu, no final do mês passado, o quarto relatório brasileiro de acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Leio que a pobreza extrema caiu, no Brasil, de 1990 até 2008, de 25,6% para 4,8%. No penúltimo relatório, de 2007, esses índices eram 8,8% para 1990 e 4,2% para 2005."
Para além de eventuais críticas, a novidade é muito boa. Como diria um famoso colunista de O Globo, "com bolsas anti-fome, suspensão de impostos, piques de empregos formais, pacs e repacs e trancos e barrancos o governo está inserindo cada vez mais gente na vida econômica do país".

>> Chocolate Chip; Miles Davis; Doo-Bop
>> Revista Piauí; Abril 2010

Monday, April 12, 2010

Chuva de Idéias

Hoje, faz uma semana que desabou o morro do Bumba. Não é uma data a se comemorar.

A tragédia, infelizmente, demonstrou mais uma vez nossas assimetrias. Ao longo dos anos, o Brasil arrasta o pecado das desigualdades. E é nas regiões mais pobres que as diferenças sociais se acentuam: talvez uma das marcas mais tristes deste nosso começo de século seja a falta de solidariedade/humanidade para com os pobres.

No Brasil, pouco se pretende conceder a essa parcela da população. Somente aos trancos, nosso “contrato social” aceita pender um pouco para o lado humilde do país. Não foi diferente na semana que passou: o descaso mostrou sua pior face, 232 mortos até o momento em que escrevo. Apesar da politicagem e das promessas de que tudo vai mudar, pouco coisa concreta foi feita no Rio de Janeiro.

Conforme resumiu Raymond Aron, a pobreza – brasileira, inclusive – pode ser medida pela diferença entre o que se quer e o que se tem. Faz-se necessário reconhecer que não basta remover as favelas e sanear a cidade. Por certo, essas são medidas importantes, mas que não comportam fins em si mesmas. Tese maior recomenda trabalhar em dois sentidos a fim de não repetirmos a tragédia da semana passada: educar o povo para a consciência de seus direitos e educar nossas elites para o patriotismo.

É necessário reduzir as desigualdades. Na frase de Tancredo Neves: “um país justo é aquele no qual o Estado contém a ganância dos ricos e eleva a renda dos pobres, de maneira a construir a mais ampla classe média possível”. Tivéssemos concretizado essas palavras, o morro do Bumba simplesmente não existiria.

Para além desse cenário, o mais grave desta nossa época estéril não é apenas a ausência de solidariedade, mas a falta de idéias. Não que faltem as absurdas, como, por exemplo, a contratação da Fundação Cacique Cobra Coral para “intervir” nas precipitações meteorológicas cariocas. Idéias há, portanto, mas invertebradas em sua maioria. Autorizar moradias em um lixão desativado e ainda urbanizar a área é uma delas; contratar uma entidade espírita para controlar os resultados desta imprevisão é outra.

Para quem não acredita, no dia da tragédia, o site da Fundação trazia o seguinte aviso: "Chuvas no Rio: A FCCC só foi Acionada pela Prefeitura as 23h51 do dia 05.04.10 quando a cidade ja estava atingida pelo temporal desde as 18h00... A FCCC é Inerte e só atua quando Solicitada, conf. convênio operacional”. Pior ainda, no ano passado, de acordo com o que escrevi aqui, o secretário Luiz Guaraná defendera o descarte da ajuda espiritual, por considerar que a cidade deveria priorizar investimentos reais na conservação. Foi ignorado.

Não se trata aqui de criticar convicções religiosas de quem quer que seja, mas causa espanto a política da prefeitura. Sobre esse tema, Max Horkheimer disse certa vez: “muitas idéias, às vezes, querem dizer idéia nenhuma”. A meu ver, é esse o caso do Rio de Janeiro. Pobre Rio.

>> Come Back to What You Know; Embrace; Álbum Desconhecido
>> Revista Piauí; Abril 2010

Friday, April 09, 2010

Conselhos ao B.

#11 Vez ou outra, volte à casa.
No futuro, aonde quer que você esteja, venha à Brasília de vez em quando. Ninguém erra o caminho de retorno.

>> Quiet Little Voices; We Were Promised Jetpacks; These Four Walls
>> The Professor's Daughter; Emmanuel Guibert; First Second

Sunday, April 04, 2010

Nunc Stans


Muitos anos atrás, renascia aquele rapaz da Palestina. Ao vagar pelos caminhos, seguido de gente de toda espécie, falava em coisas aparentemente abstratas, como amor, justiça, reinos de outro mundo e reinos deste mundo.

Em nosso tempo, alguns fazem de sua palavra uma agência de empregos e de amores, além de distribuirem prêmios como loterias. Há outros, inclusive, que a utilizam como salva-vidas ao grande desespero da alma moderna. É certo que razão maior nos recomenda ver a presença do Mestre em cada uma delas. Porém, não nos podemos esquecer de uma de suas maiores lições: de nada adianta ao homem ganhar o mundo e perder a alma.

Não se pode negar dignidade à vida em seu cotidiano, sem negá-la em toda sua plenitude. Portanto, a mais bela de todas as mensagens - a metáfora sobre a vida solidária - é aquela que diz: os homens nasceram para a amizade, e não para o desprezo e o ódio. Feliz Páscoa aos prezados.

>> Balança; João Donato & Marcelo D2; The Rough Guide to Brazilian Lounge
>> The Professor's Daugther; Emmanuel Guibert; First Second

Wednesday, March 31, 2010

Blood For Oil

Ao longo de nosso passado, sempre debatemos sobre o que somos como comunidade política e o que desejamos para o futuro de nosso país. Apesar dos avanços, tal discussão redunda poucas soluções práticas. Como dizia Gilberto Amado, nossa história desconcerta o investigador.

Nas duas últimas semanas, em função da (re)partilha dos royalties do petróleo, estivemos discutindo a divisão fiscal no Brasil e, de certa forma, quase todas as intervenções estavam submetidas a injunções apaixonadas. Enfim, parecíamos voltar ao começo de tudo. Poucos ousaram tocar em nosso problema de fundo: a arquitetura federativa brasileira.

Por óbvio, o primeiro problema prático de todas as comunidades políticas é seu financiamento. Em uma sociedade, há despesas comuns que devem ser cobertas com a contribuição de todos. Como o tributo é o retorno de uma parcela dos bens obtidos pelos membros da sociedade, é natural que - na repetidíssima frase de Ruy Barbosa* -, a fim de obter igualdade, devamos tratar desigualmente os desiguais.

Ora, não há estados iguais na federação brasileira, da mesma forma que não há cidades iguais no Brasil. Portanto, se cidades e estados são diversos, multifacetados são também seus costumes, pactos e particularidades de convívio. Nesse sentido, a democracia deve contemplar cada cidade e cada estado em sua própria e particular forma de participar na federação.

Da mesma maneira, o convívio em qualquer dimensão pressupõe acordos, convênios e pactos essenciais ao regramento cotidiano. A fim de manter a estabilidade, esses acordos comunais – e o direito antigo já os sabia desde sempre – devem ser cumpridos. Pacta sunt servanda: é da inteligência jurídica romana que os acordos devem prevalecer enquanto permanecer a situação que os gerou.

Tal princípio basilar do direito civil e do direito dos povos não preponderou na nova divisão do petróleo proposta pelo Deputado Ibsen Pinheiro. Argumentou o Parlamentar, com meia razão, que os proventos do petróleo devem ser repartidos por igual na federação. O raciocínio não é de todo errado, desde que feito com as novas reservas, a serem descobertas daqui para frente.

Ilógica e carente de bom senso é a inversão tributária ocorrida a partir da emenda ao Projeto de Lei então apresentada**. E, pior ainda, pretende-se agora que a União pague pelo problema que não criou.

Grosso modo, a sociedade pátria desapercebeu-se que não se tratava apenas de um “choro” do Rio de Janeiro. O que ocorreu foi verdadeira quebra de contrato.

Por exemplo, apenas para dimensionar o tamanho do problema, o ICMS dos derivados do petróleo é cobrado apenas no estado em que se comercializam os produtos – e não pela regra tradicional, segundo a qual o imposto deveria ser cobrado no estado de origem. Salvo engano, não ouvi nenhum debate acerca do reacerto desta taxa.

Diante de tal cenário, Gilberto Amado não poderia ter maior razão: vivemos “uma série de esforços arquejantes, que não se conjugam, não se integram num conjunto. Não conhecemos a marcha continuada, o lento ascender de passo firme. Vivemos sempre a recomeçar”. Nosso regime parece ser o da inconseqüência.

>> Conselho; Marcelo D2 e Marcelo Mira; Álbum Desconhecido
>> Diário de Bordo: A Viagem Presidencial de Tancredo; Rubens Ricupero; Imprensa Oficial

* Em seu texto, o jurista baiano parecia conduzir às lições de Aristóteles sobre justiça distributiva: a igualdade citada era, em essência, uma proporção a ser aplicada na divisão de objetos entre pessoas. Caso os prezados queiram se aprogundar, vejam o livro V da Ética a Nicômaco.

** Ao contrário do que muitos jornalistas afirmaram, a proposta do pré-sal não trata de Emenda Constitucional.

Friday, March 26, 2010

Os Outros: George Best

"Gastei meu dinheiro com mulheres lindas, carros possantes e casas maravilhosas. O resto, desperdicei."

O glorioso jogador George Best, no campo da filosofia.

>> Jumpin' Jack Flash; Ananda Shankar; What It Is! Funky Soul and Rare Grooves (1967-1977)
>> Diário de Borodo: A Viagem Presidencial de Tancredo; Rubens Ricupero; Imprensa Oficial

Sunday, March 21, 2010

Conselhos ao B.

#10 A política pode ser uma atividade nobre.
Conforme a frase de Václav Havel: "genuine politics - even politics worthy of the name, the only politics I am willing to devote myself to - is simply a matter of serving those around us: serving the community and serving those who will come after us. Its deepest roots are moral because it is a responsibility expressed through action, to and for the whole".

>> Head On; Legião Urbana; Acústico MTV
>> Umbigo Sem Fundo; Dash Shaw; Quadrinhos na Cia - um dos melhores quadrinhos que li recentemente.

Friday, March 12, 2010

Adiós, Glauquito


Silêncio, o artista sai de cena. Não há o que dizer.


Cresci rindo e me divertindo com as piadas, infâmias e ironias do Glauco. Somente os que leram as revistas sabem o sentimento daqueles de minha geração.

Passei a adolescência lendo as revista do Glauco, do Angeli e de todos os demais ilustradores da pós-redemocratização. Eram sempre piadas engraçadas, aliadas a traços originalíssimos e muita crítica social – elemento comum a um país sedento por democracia.

As histórias do Glauco agradavam a jovens e adultos. Alegravam, inclusive, meu pai: o Geraldão foi um dos primeiros quadrinhos que lemos juntos durante minha adolescência e por meio do qual trocamos algumas confidências.

Por isso, a odiosa morte do artista é, também, a perda de um dos mais originais expoentes do humor brasileiro dos anos 80. É um de “Los 3 Amigos” que se vai.

A perda – na circunstância em que ocorreu – é ainda pior, pois plenamente evitável. Diante da violência fica a sensação de impotência e indignação.

Todavia - e felizmente -, a arte do desenhista sobreviverá ao tempo. Sobre o assunto, vale ler excerto de um livro chamado “Tumbas”, escrito por Cees Nooteboom e belamente editado pela Actes Sud. A obra é um tanto soturna – traz fotos de 82 túmulos de escritores e filósofos famosos -, mas a beleza do texto merece citação:

A maioria dos mortos se cala. Eles não falam mais nada. Eles já disseram literalmente tudo o que tinham para dizer. Com os poetas é diferente. Os poetas continuam a falar. Eles têm a peculiaridade de se repetir. É o que acontece cada vez que um leitor lê ou recita um de seus poemas, pela segunda ou a centésima vez. Mas os poetas se dirigem da mesma forma aos que ainda não nasceram, às pessoas que ainda não viviam quando eles escreviam o que escreviam. (...) Esta pessoa ainda fala conosco, ainda nos diz algo, algo que ainda ecoa em nossos ouvidos, algo que guardamos e que talvez não esqueçamos nunca mais, algo que decoramos e que, de vez em quando, repetimos alto ou em voz baixa”

Dessa forma, o presente texto é minha tentativa de homenagear um sujeito que foi bacana durante minha juventude, alguém que fez a mim e aos meus amigos rirmos muito. Em momentos os mais simples, as tirinhas do Glauco foram impagáveis.

Bzzzzz.

>> La Vie en Rose; Louis Armstrong; Wall-E
>> Direito Agrário Brasileiro; Benedito Ferreira Marques; Atlas

Sunday, January 31, 2010

Gonzo Kitchen: Mini-abóboras Recheadas


Ingredientes:
- 6 mini-abóboras
- 200 g de shimeji
- 1 dente de alho sem casca
- 150g de queijo gorgonzola
- 150g de cream cheese
- 1 lata de creme de leite
- pimenta do reino e sal a gosto
- azeite de oliva
- papel alumínio

Como fazer:
- Corte a tampa das abóboras e limpe-as por dentro, removendo todas as sementes e fibras. Lave o interior dos vegetais.
- Limpe o shimeji e reserve
- pique o dente de alho em tiras finas
- coloque o gorgonzola, o cream cheese e o creme de leite em uma tigela. Amasse com um garfo até obter uma pasta uniforme.
- Coloque um pouco de azeite, o shimeji e o alho em uma panela, mexendo, de vez em quando, por 7 minutos. Junte a pasta com os queijos e coloque a pimenta.
- Distribua o creme dentro de cada abóbora, divindo de maneira igualitária.
- Forre a parte inferior de cada abóbora com papel alumínio (assim, elas não grudarão na assadeira).
- Em uma assadeira funda, coloque as abóboras.
- Ponha água até o meio, a fim de formar um "banho-maria".
- Leve ao forno em temperatura média por cerca de 35 minutos. Para ter certeza de que está pronto, enfie um palito de dentes na casca da abóbora: se estiver macia, sirva sem medo.

Junte os melhores amigos que há, algumas garrafas de Bordeaux e, voilà, divirta-se.

>> Poker Face; Lady Gaga; The Fame
>> Clarice; Benjamin Moser; Cosac Naify

Friday, January 29, 2010

iJobs

“Wow!” - iPod, 2001
“Wowww!” – iPhone, 2007
“Well…” – iPad, 2010

>> Slave To The Wage; Placebo; Placebo
>> Clarice; Benjamin Moser; Cosac Naify

Friday, January 22, 2010

You Few, You Happy Few


Neste final de semana, realizar-se-á mais um concurso de admissão para a carreira diplomática (CACD). Ao contrário de anos anteriores, não prestarei os exames. De certa forma, é estranho não fazer a prova depois de tantos anos: os temas e as questões não me saem da cabeça.

No CACD, ao menos para mim, o cotidiano e a situação do Brasil sempre foram assuntos recorrentes. Sobretudo, o estudo da história brasileira era das matérias que mais me agradava. No caso do Itamaraty, valia prestar atenção ao passado brasileiro e à maneira como esse contribuiu para nossa inserção internacional. Acima de tudo, em meus estudos, sempre percebi ênfase positiva na avaliação de nossa história.

Ao contrário da frase de Stephen Dedalus, personagem de James Joyce em Ulysses, a história brasileira não é um pesadelo do qual precisamos acordar. No mesmo sentido, penso, quando observamos nosso passado, devemos simplesmente esquecer o anjo de Paul Klee: as cenas de tristeza e desencontro humano, malgrado sejam imperfeitas, contribuíram na formação de nossa individualidade.

Apesar do ceticismo de Joyce e Klee, creio termos sobrevivido porque, em meio ao pesadelo, sempre existiram a esperança e a possibilidade de criarmos um país melhor. De minha parte, imagino que a diplomacia e as relações internacionais devem servir exatamente para esse fim.

Malgrado vivamos oscilando entre o desânimo e a confiança, sempre fomos capazes de superar nossos mais terríveis fantasmas. E, talvez, essa tenha sido a maior lição que extraí após tantos anos estudando para ingressar na Casa de Rio Branco: nossa história não é o passado equivocado que alguns tentam nos impingir.

Essa afirmativa, entretanto, não é de todo evidente para o leigo. Avançamos cotidianamente, mas os percalços aparentam-se maiores no imaginário do observador comum.

Festejamos o Ipiranga, e o jovem príncipe foi visto como o protetor da nacionalidade que nascia. Menos de dez anos depois, o herdeiro tornar-se-ia um absolutista do qual nos envergonharíamos – e dele nos livramos nos ventos liberais de 1831.

Logo após, a República prometeu-nos democracia e descentralização. Sonho não de todo alcançado até hoje. A Aliança Liberal e a conseqüente Revolução de 30 foram frustradas pela irracionalidade daqueles tempos. Depois da tibieza de Dutra, alguma esperança tivemos com a retomada do projeto desenvolvimentista de Vargas e JK. Apesar de custosos ao país, foram essenciais a nossa inserção na modernidade.

Sucessor de JK, Jânio revelou-se fraco: um terno vazio. Qualquer tenha sido o motivo da renúncia impensada – covardia moral ou quiçá outra coisa – o gesto de Jânio decepcionou a nação e fez-nos mergulhar no obscurantismo por vinte longos anos. Ainda assim, avançamos: apesar de conservadora, a modernização implantada pelos militares é inegável.

Então, findo o interregno repressivo, a esperança alternou-se para a Assembléia Nacional Constituinte – que promulgou uma boa Constituição, apesar das críticas de alguns. Avançamos, mais uma vez.

Depois, lamentavelmente, a burocracia paulista desmontou a estrutura estatal criada por Vargas/JK e preservada até pelos militares. A década de 90 quase assistiu ao desmantelamento estrutural da nação. Ainda assim, perseveramos: o plano Real até hoje confirma essa assertiva.

Após todos esses anos, enfrentadas as vicissitudes, o país parece começar a reerguer-se e a esperança a nos assistir. Não podemos deixar, neste momento, que eventuais forças alienígenas atrasem nosso encontro com o destino. É preciso sonhar – e fazer. Exatamente a tarefa maior da diplomacia.

Nossa grandeza está dentro das fronteiras nacionais e no convívio amistoso com os outros povos. É essa convivência, serena, insubmissa, firme, cordial, que nos fez brasileiros. Dessa postura, expressa pelo Itamaraty, não nos devemos afastar. Ao longo de todo o tempo, a diplomacia sempre nos logrou proteger. E, invariavelmente, como falei, avançamos muito.

Grosso modo, esse é o legado que, futuramente, os postulantes ao exame de domingo vão defender. E, também de certa forma, o presente texto é minha homenagem a esses “guerreiros”.

Portanto, caros amigos, ao fazer a prova, lembrem-se da lição do corneteiro de Pirajá: avancem degolando. Afinal, senhores, nas palavras do Chanceler Leitão da Cunha, a diplomacia está lá, à espreita, lhes esperando.

>> Hallelujah; Susanna and the Magical Orchestra; Melody Mountain
>> Clarice; Benjamin Moser; Cosac Naif

Sunday, January 17, 2010

Pós-modernos, Parker e Les Gouttes


Recentemente, fui presenteado com alguns bons rótulos de vinho. Alvissareiros presentes, aliás: minha pequena adega já estava criando teias de aranha.

Após degustar uma das garrafas, fiquei pensando sobre um tópico muito familiar aos apreciadores de vinho: quais são os fatores que influenciam nossas escolhas acerca de qual vinho comprar? Alguém ainda acredita que Robert Parker é a ”referência” mundial sobre vinho?

Eis que, para minha surpresa, a resposta da segunda pergunta parece ter mudado. Mr. Parker não é mais o líder mundial em referência enóloga. Ao que parece, o norte-americano perdeu seu lugar para um fenômeno chamado Les Gouttes de Dieu (As Gotas de Deus).

“As Gotas” é um mangá japonês e foi considerado pelo Gourmand World Cookbook como o “melhor livro do mundo sobre o vinho em 2009”. A Decanter, importante publicação no mundo do vinho, o citou como um dos livros mais influentes dos últimos anos.

A série começou a ser publicada em 2004 e hoje possui 22 exemplares. Posteriormente, a publicação seguiu para Coréia do Sul, Hong Kong, Taiwan e, da Ásia, passou a ser editada também na França. Apenas para se ter uma idéia da força conquistada pelo livrinho, em 2007 foram impressas 500.000 cópias. Em essência, todos os vinhos que aparecem no mangá são autênticos.

De início, o mundo do vinho não deu muita importância a esse novo objeto. Entretanto, quando o desconhecido Château Mon-Pérat, citado pela revista, viu seu millésime 2001 vender 20.000 garrafas em pouco tempo, os especialistas se aperceberam da novidade.

Os dois irmãos autores do quadrinho são grandes conhecedores de vinho e criaram uma história dentro da tradição de contos japoneses. No roteiro, um famoso degustador morre e seu filho, a fim de receber a herança paterna, deve provar ser melhor do que o pai. Na busca por comprovar sua perfeição, o garoto é acompanhado por um mendigo alcoólatra, uma estagirária-sommelière e um amigo enlouquecido por vinhos italianos.

A importadora japonesa, Enoteca, por exemplo, afirma que os personagens do livro são hoje responsáveis pelos pedidos da empresa. Na Coréia do Sul, a venda cresceu de modo significativo, com os vinhos passando de menos de 1/3 do mercado para cerca de 70% das vendas de bebidas alcoólicas. As vendas de um vinho chamado Umberto Cosmo's Colli di Conegliano Rosso também cresceram 30% após o rótulo ter sido citado na revista.

O interessante – e inusitado – é que parte do interesse pelo mangá pode ser creditado ao fato de a revista ensinar sobre vinhos de um modo que entretém. Em 2009, como falei acima, a Decanter incluiu a publicação em sua “Power list” na colocação de número 50, com a citação de que o trabalho é a mais influente publicação sobre vinho em 20 anos. Robert Parker tremeu, portanto.

A notícia, de certa forma, é muito boa. Ao contrário do que previam e tentaram os americanos, o mundo parece não estar se curvando a um gosto universal sobre vinhos. Felizmente, valem ainda o inesperado e a boa qualidade - como não poderia deixar de ser em um produto que carrega a identidade do terroir no qual é produzido.
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Eu ia escrever algo sobre a tragédia no Haiti. Entretanto, após ler o lúcido texto do Maurício, resolvi colocar um link aqui.

>> Um Dia Em Provença; Paralamas do Sucesso; Hey Nana
>> O Planalto e a Estepe; Pepetela; Leya Brasil

Saturday, January 09, 2010

No Teu Deserto

“- Nós não nos perdemos! – garanti-lhe, com uma pose tranquila e confiante, como se estivesse a ensaiar para um filme.
- Não? E porquê?
- Porque somos portugueses: há quinhentos anos que andamos por toda parte e conseguimos sempre voltar a casa”.
Acabei de ler o novo livro do Miguel Souza Tavares, “No Teu Deserto”. Pela terceira vez, o autor lusitano correspondeu minhas expectativas. O livro é tão enxuto – e bem escrito – que comprei-o à noite de ontem e virei a última página duas horas depois. Por sorte, a Companhia das Letras manteve o português em sua original versão.

Talvez, na língua pátria, Souza Tavares seja um dos melhores escritores da atualidade. Seus livros anteriores, “Equador” e “Rio das Flores” são também muito bons - “Rio das Flores”, porém, talvez seja o mais fraco dos três que li. Junto com Mia Couto, Pepetela e outros autores, a nova safra de escritores lusófonos está revigorando o romance da língua de Camões.

Estranhamente, todavia, entre os melhores escritores em língua portuguesa atuais, não consigo incluir nenhum brasileiro. No grupo dos melhores, as nacionalidades derivam entre Angola, Portugal e Moçambique, sobretudo. Não por acaso, recentemente elegemos Paulo Coelho para a Academia de Letras - nada a comentar, enfim.

No caso de Souza Tavares, o fato de ser filho da poetisa Sophia de Mello Breyner deve ter ajudado muito. Além disso, Tavares é declarado amante do Alentejo e, como os prezados sabem, quem não se rende de forma absoluta ao Alentejo, não merece saber que o rio existe. Para um escritor português, essa característica é fundamental – Fernando Pessoa, de alguma forma, também sabia disso.

“- Estava a pensar se há viagens sem regresso. E que nunca mais vou voltar desta viagem. Nunca mais vou regressar do deserto.”
O livro, em si, é relativamente simples: um “road-book” sobre a viagem inesperada de um casal desconhecido ao deserto argelino. Tudo a bordo de um velho jipe UMM, cheio de enlatados, garrafas de whisky e muita aventura.

De forma despropositada, o livro põe o leitor dentro da história. Um conto/romance que dói e faz rir ao mesmo tempo. É um livro de viagem que o leva dentro da viagem: deixa o leitor com areia nos olhos, com fome e frio. Deixa-nos vazios, como o deserto: a olhar estrelas. E, depois, com a estranha sensação de que tudo acabou muito depressa.

"No teu deserto" é uma carta a quatro mãos. Acima de tudo, uma carta sobre o que não se disse numa viagem de 40 dias ao deserto, realizada em 1987.

Vinte anos depois, ao tentar “reviver” a viagem, o protagonista descobre morta sua companheira (isso não estraga o livro, ela morre na primeira linha da história). Como 20 anos é muito tempo, as cartas chegaram tarde demais. É um livro sobre desencontros.

Como dizia Machado de Assis, escrever é mera questão de colocar acentos. Miguel Souza Tavares parece ter aprendida a lição: “No Teu Deserto” é simples como só, tão simples que dificilmente poderia ser melhor.

“As coisas mudaram muito, Cláudia! Todos têm terror do silêncio e da solidão e vivem a bombardear-se de telefonemas, mensagens escritas, mails e contactos no Facebook e nas redes sociais da Net, onde se oferecem como amigos a quem nunca viram na vida. Em vez do silêncio, falam sem cessar; em vez de se encontrarem, contactam-se, para não perder tempo; em vez de se descobrirem, expõem-se logo por inteiro: fotografias deles e dos filhos, das férias na neve e das festas de amigos em casa, a biografia de suas vidas, com amores antigos e actuais. E todos são bonitos, jovens, divertidos, “leves”, disponíveis, sensíveis e interessantes. E por isso é que vivem esta estranha vida: porque, muito embora julguem poder ter o mundo aos pés, não aguentam um dia de solidão. Eis porque já não há ninguém para atravessar o deserto. Ninguém capaz de enfrentar toda aquela solidão.”

>> Matamoros Banks; Devils & Dust; Bruce Springsteen
>> No Teu Deserto; Miguel Souza Tavares; Companhia das Letras